segunda-feira, 28 de abril de 2008
Artigo - Eutanásia
Em virtude da relevante discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da eutanásia ou homicídio eutanásico, reputamos importante tecer algumas considerações sobre o tema.
O Código Penal (CP) dispõe sobre o homicídio privilegiado em seu art. 121, § 1.º, e a eutanásia tem sido tipificada pela doutrina e jurisprudência majoritárias na hipótese do relevante valor moral.
Homicídio eutanásico ou eutanásia é o comportamento que dá lugar à antecipação ou ao não adiamento da morte de uma pessoa que sofre de uma lesão ou enfermidade incurável, geralmente mortal, a qual lhe causa graves sofrimentos ou afeta consideravelmente sua qualidade de vida.
A eutanásia significa boa morte e é praticada por motivo piedoso, a fim de abreviar o sofrimento da vítima. É considerada homicídio privilegiado por caracterizar o motivo de relevante valor moral. O consentimento da vítima em nada altera a tipificação do crime, posto ser a vida um bem indisponível.
A eutanásia é dividida pela doutrina em:
1) Eutanásia ativa: consiste na realização de atos positivos com o fim de dar morte a alguém, eliminando ou aliviando o seu sofrimento.
Pode ser: a) direta: quando o autor visa, principalmente, ao encurtamento da vida do paciente por exemplo, com sufocação; ou b) indireta: quando o autor visa aliviar o sofrimento do paciente, e o efeito secundário da conduta é abreviar o curso vital do paciente por exemplo, com remédio que alivia a dor, mas causa a morte. Também é chamada de eutanásia pura ou genuína.
É considerada homicídio privilegiado.
2) Eutanásia passiva ou ortotanásia: consiste na omissão de tratamento ou de qualquer meio que contribua para a prolongação da vida do paciente, acelerando a sua morte. É conduta omissiva. Por exemplo: o médico suspende o tratamento ou desliga os aparelhos que mantinham o paciente vivo.
É considerada homicídio privilegiado.
Observações ainda importantes:
Há grande discussão na doutrina sobre a ortotanásia quando há supressão de cuidados de reanimação em pacientes em coma profundo e irreversível, em estado terminal ou vegetativo.
Ortotanásia significa, em nosso vocabulário, morte natural, normal, certa ou justa, morte ocorrida no momento oportuno, sem sofrimento.
A conduta é considerada homicídio privilegiado pela doutrina e jurisprudência majoritárias, embora haja, inclusive, projeto de alteração do CP considerando a conduta atípica.
O projeto está assim redigido:
“Art. 121. [...]
4.º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão”.
A atipicidade da conduta tem sido defendida, ainda que minoritariamente, sob a fundamentação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, sendo que a vida deve ser entendida dentro das condições que possibilitem o exercício digno da existência.
Mesmo hoje em dia, entretanto, a conduta de supressão de reanimação do paciente não será crime se realizada após a verificação e o atestado de sua morte cerebral, pois, como vimos, o conceito de morte em nosso Direito é o de morte cerebral. A pessoa já estará morta, portanto, quando os aparelhos forem desligados, não constituindo crime.
Distanásia é o prolongamento do curso da morte, por omissão dos recursos que a medicina conhece, apesar de esta ser inevitável, sem ponderar o sofrimento que poderá advir do paciente. Significa morte anômala, lenta, com grande sofrimento, morte dolorosa. É o oposto de eutanásia; não configura homicídio privilegiado.
A eutanásia econômico-social visa eliminar os seres sem valor para a sociedade, como os doentes mentais, os velhos, os enfermos. Embora seja chamada de eutanásia, não configura o conceito, tratando-se de homicídio qualificado até mesmo por motivo torpe.
A eutanásia eugênica objetivaa morte de pessoas com anomalias genéticas, para evitar sua transmissão a gerações futuras. Também não se enquadra no conceito de eutanásia, não caracterizando homicídio privilegiado e podendo até mesmo ser considerada homicídio qualificado.
Esses são os comentários que considero oportunos para uma contribuição singela à discussão do tema.
Gianpaolo Poggio Smanio é promotor de Justiça, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus.
O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 27/04/2008.
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