segunda-feira, 28 de abril de 2008

Caso Isabella arranha figura do pai e da mãe

“Pai, você também vai me jogar pela janela?” A pergunta feita por uma garotinha curitibana, de 6 anos, depois de derrubar o computador no chão e de ver o pai irritado, reflete parte das conseqüências da repercussão do brutal assassinato de Isabella Nardoni, em todo o País.

Os noticiários mostram que em São Paulo muitos querem fazer justiça com as próprias mãos. Entretanto, as manifestações se alastram por todo o Brasil de forma diferente à da revolta. Crianças estão amedrontadas, temendo que possam sofrer a mesma violência que Isabella, e pais passaram a ser o foco das atenções, principalmente quando os filhos choram em locais públicos. A figura sagrada de pai e mãe foi trincada. A morte de Isabella trouxe a público uma realidade antiga, mas pouco discutida: a que pais também podem fazer o mal a seus filhos.

De acordo com a pediatra do Hospital de Clínicas e coordenadora do Grupo de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Luci Pfeiffer, os maus tratos com as crianças é problema antigo, e na maioria das vezes o agressor está inserido na família da vítima. “As pessoas estão tratando o caso Isabella como se fosse algo anormal, e infelizmente não é. É um problema que estava encoberto e com essa desgraça veio à tona. A população se atentou à realidade que alguns pais são capazes de fazer mal aos filhos”, diz a médica.

Dúvidas

Para Luci, a exposição exagerada do caso na mídia está prejudicando, em especial, as crianças. “A primeira dúvida que elas têm é se todos os pais fazem isso. A segunda é se também correm risco de serem arremessadas pela janela. O ideal é poupar ao máximo as crianças dos noticiários referentes ao caso e quando questionados, os pais devem conversar muitos com os filhos e mostrar o quanto eles são amados”, explica a médica.

Advogada condena castigo

O caso Isabella também afetou os pais, que se tornaram carrascos e qualquer repreensão em local público, como num supermercado ou shopping, por exemplo, é capaz de atrair dezenas de olhares incriminadores. “A população está revoltada e indo contra os pais, que muitas vezes estão apenas educando os filhos com chamado de atenção. As pessoas devem denunciar um caso real, o que dificilmente acontece. Criticar o estranho no shopping, sem saber o que está acontecendo é fácil, mas difícil é denunciar o vizinho que bate no filho” explica Lucy Pfeiffer.

Maria Leolina Couto Cunha, advogada, consultora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e fundadora do Centro de Combate à Violência Infanto-Juvenil (Cecovi), afirma que o caso Isabella reascendeu a reflexão na sociedade quanto aos castigos corporais. Para ela, qualquer tipo de castigo físico deve ser abolido. “Para repreender não adianta bater. Os pais devem agir de outras formas, como cortar alguns privilégios”, diz ela.

Alerta

Segundo a fundadora do Cecovi, se for mesmo comprovado que o pai e a madrasta mataram Isabella, o assassinato não foi fruto do surto de raiva, mas o resultado da violência contínua. “A violência contra a criança é recorrente e por isso os pais ou tutores devem sempre ficar atentos. Mudanças de comportamento como estresse, tristeza e medo excessivo são alguns sintomas que há algo errado. As crianças, na maioria das vezes, se calam e por isso o agressor sente-se à vontade para continuar a violência”, alerta Maria Leonina.

Crimes cometidos em casa

A Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência aponta que em 2006 foram registrados 3.390 casos de agressão física e sexual a crianças e adolescentes em Curitiba e região metropolitana. Desses crimes, 3.052 aconteceram dentro de casa. Foram praticados por pais, padrastos e madrastas, tios, irmãos, primos e avós. Metade das denúncias é relativa à negligência, 20% à violência física e 14% à violência sexual. Em 60% dos casos as vítimas tinham entre 5 e 14 anos.

Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostram que a cada hora morre no mundo uma criança queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais. Diante dessa realidade, em janeiro do ano passado, foi criada a Vara Criminal especializada em crimes contra crianças e adolescentes. De acordo com a promotora Carla Moretto Maccarini, que está na Vara desde sua fundação, os crimes mais recorrentes são de violência sexual e na maiorias das vezes o agressor é conhecido da vítima. “Os processos correm rápido e as vítimas querem o agressor punido, mesmo que ele faça parte da família. O problema é que muitas vezes a criança conta que está sendo agredida mas outros membros da família não acreditam”, conta a promotora.

Crueldade sem limites

Um dos casos que mais chamou a atenção da promotora Carla Moretto Maccarini, ao longo de um ano foi de um pai que torturava a enteada e os três filhos, sendo um deles bebê de colo. O pai deixava os filhos nus e batia com toalha molhada. Ligava o gás da cozinha e os trancava na casa. Soltava os cachorros no quintal para que as crianças e a esposa não fugissem. Mordia o rosto do bebê porque se irritava com o choro. Jogava álcool nas criança e ameaçava atear fogo e ainda dava chutes e socos nos filhos. A enteada tinha sete anos, e os filhos, 4,2 e 1. “Esse é um exemplo da crueldade que um pai é capaz de cometer contra o filho. Todos os dias crimes como esse ou até piores, que levam à morte, ocorrem em todos os cantos do País. O caso Isabella foi apenas mais um exemplo”, finalizou a promotora.


O Estado do Paraná, 28/04/2008.

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