terça-feira, 22 de abril de 2008

Esperança que nasce do lixo

Se em cidades gaúchas, com recolhimento de lixo, o destino dado aos resíduos já é um problema, imagine um país no qual na maioria das localidades não há sequer a coleta. No Haiti, o lixo se acumula onde é largado, seja no meio das ruas ou na calçada.

Em Carrefour, no interior do país, essa realidade começa a mudar graças a um trabalho que envolve a comunidade. O exemplo da cidade, um oásis de limpeza em meio ao caos do país, é o tema do segundo dia da série No Coração do Haiti:

Omesmo lixo acumulado que serve para alimentar os porcos e os cabritos, pratos principais dos haitianos, também serve como canal de proliferação de doenças. Crianças, geralmente nuas ou usando apenas camisetas, brincam no lixo como se estivessem sobre tapetes. No Haiti, diante da miséria financeira e da miséria de valores, os dejetos acumulados foram incorporados à rotina.

Mas basta chegar à pequena Carrefour, a leste de Porto Príncipe, para verificar a diferença. Na cidade de 150 mil habitantes, as ruas são limpas. São dezenas de moradores, uniformizados, varrendo incansavelmente as ruas e recolhendo os resíduos que, antes, ficariam acumulados na via. Eles usam máscaras. Trocam o lixo pela dignidade de viver, a partir de agora, em um local limpo. São homens e mulheres de idades variadas que, antes, não tinham emprego nem possibilidade de melhorar de vida.

Agora eles têm, além de higiene em suas casas, uma fonte de renda. Fazem parte de um projeto-piloto no Haiti: o Sant Triyaj Fatra Kafoufey, que, em créole, língua falada no país, significa centro de reciclagem de Carrefour. O projeto começou a ser esboçado em 2004, mas apenas em dezembro de 2007 foi inaugurado o centro de triagem. A verba veio do programa de Cooperação Sul-Sul, financiado por três países: Índia, Brasil e África do Sul.

- Faço questão de esclarecer para os haitianos que o projeto é pago por cidadãos comuns como eles, de outros países, que precisam pagar impostos. É em solidariedade ao povo do Haiti que esse recurso chega até aqui - explica a mineira Eliana Nicolini, conselheira responsável pelo projeto de coleta de dejetos sólidos em Carrefour.

O Sant Triyaj Fatra Kafoufey integra o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e, no ano passado, ganhou o título de melhor projeto da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti. Para o começo dos trabalhos, foram investidos cerca de US$ 1,5 milhão.

- Cabe a nós do PNUD gerir esses recursos com muita responsabilidade - diz Eliana.

Engenheira civil, mãe de três filhos, Eliana chegou ao Haiti em 2004 e, desde então, não abriu mão da busca por recursos que viabilizassem a implementação do projeto. Depois de Carrefour, a meta agora é expandir o projeto também para Pétionville, o subúrbio rico de Porto Príncipe.

- O povo haitiano não precisa de esmola. Precisa é de oportunidades - afirma Eliana.

País tem índices de desmatamento altíssimos

Todo o material que chega ao centro de triagem de Carrefour é separado de forma manual. O papel, depois de prensado, é transformado em um pequeno composto chamado briquete. Para cada briquete são usados 25 quilos de papel amassado.

A meta é, no futuro, conseguir compradores para o briquete e substituir o uso do carvão pelo material de papel como combustível. Uma forma também de se pensar na recuperação ambiental do Haiti. O Haiti é o primeiro da lista dos países com maiores índices de desmatamento da América Latina e do Caribe, um problema que também é crítico no México e em El Salvador. Qualquer árvore é cortada pela população para ser transformada em carvão vegetal.

- A conscientização dos haitianos faz parte do projeto. O Brasil tem sido importante para motivar os investimentos no Haiti. Temos problemas complexos aqui, mas os resultados vão aparecer a médio e longo prazo - avalia o embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman.


Zero Hora, 22/04/2008.

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