terça-feira, 1 de abril de 2008

CIDADANIA - Favelas buscam legitimidade no mapa das cidades

Entre descaso e abandono, moradores tentam sobreviver aos estereótipos e clichês a que são submetidos.

Relatório das Nações Unidas prevê que 55 milhões de brasileiros estarão morando em favelas em 2020, o equivalente a 25% da população, segundo projeções demográficas do IBGE. Curitiba, aponta o Censo 2000, é a quinta cidade brasileira com maior número de favelas. Diante deste quadro, o que fazer para melhorar as condições de moradia desta parcela de brasileiros que sofre com problemas que vão desde saneamento básico à violência?

Para Jorge Luis Barbosa, coordenador do Observatório de Favelas - rede sócio-pedagógica integrada por pesquisadores e organizações comunitárias, com sede no Rio de Janeiro -, ações como regularização fundiária, ampliação das ofertas de educação e acesso à cultura são pontos fundamentais para promover integração social e diminuir preconceito.

As pessoas ainda têm imagem negativa das favelas, ou isso está mudando?

As representações das favelas como territórios violentos, sem ordem e cidadania ainda são recorrentes. Entretanto, é possível identificar movimentos de construção de contra-imagens, sobretudo por parte de instituições da sociedade civil inscritas no cotidiano das favelas que buscam, cada uma ao seu modo, construir - sem romantizar - outras representações, imagens que vão contra os estereótipos e os clichês e, no final das contas, definem as favelas como espaços legítimos da cidade.

Alguns alegam que o termo ''favela'' é pejorativo. Qual a sua opinião?

A expressão é carregada de preconceitos. Muitos moradores se identificam como comunidade ou, simplesmente, estabelecendo como referência do território o próprio nome popular instituído por suas vivências.

O governo tem feito sua parte com relação ao apoio às favelas?

O papel do Estado ainda é limitado na garantia e promoção de direitos sociais e humanos nas favelas. Em algumas delas, o Estado abriu mão de sua soberania urbana, permitindo a privatização e o monopólio do poder por parte de grupos armados (narcotraficantes e milícias) e de ações policiais arbitrárias e violentas. É preciso uma inflexão territorial na agenda de políticas públicas sociais, que eleve as favelas aos níveis médios da qualidade da vida urbana.

E o ''PAC das Favelas''? Trará resultados ou é mais uma jogada política?

O PAC das favelas é uma iniciativa de grande importância. No entanto, as ações não poderão se resumir ao saneamento básico. Há uma agenda mais ampla construída pelos próprios moradores, que busca promover integração da cidade às favelas. A regularização fundiária, a ampliação da quantidade e qualidade das ofertas de educação, o acesso aos bens e serviços culturais; os investimentos para geração de trabalho e renda, e a segurança que respeite a vida e promova o direito básico de ir e vir, são pontos decisivos dessa agenda.

Analisando o País como um todo, as favelas são muito distintas, dependendo da região? Até que ponto a cultura local influencia?

As favelas são diferentes porque são complexas. Elas correspondem aos diferentes momentos históricos da urbanização no Brasil. A cultura influencia porque vivemos em um país diverso. Há distintas origens regionais dos que habitam as favelas. Mas há um ponto de encontro: o território. Nele, as pessoas se conhecem e se reconhecem no fazer de seus modos de vida, de suas concepções de mundo e de suas práticas sociais. A favela é um espaço-tempo de encontros entre diferentes que vivem em uma sociedade profundamente marcada pela desigualdade e pela discriminação.

O esporte e a cultura são mesmo um dos raros caminhos de ascensão social para os jovens que vivem nas favelas?

Essa é uma das marcas do estigma que recaem sobre os jovens das favelas. Eles só alcançam mobilidade social como jogador de futebol ou pagodeiro. O esporte e a cultura não se resumem a esses únicos aspectos. Há ricas experiências no campo da fotografia, do audiovisual, do grafite, da música e da dança que promovem processos de afirmação de identidades plurais e do fortalecimento da auto-estima. Os jovens das favelas desejam escolaridade mais ampla. Querem chegar à universidade. Desejam superar o destino do trabalho informal, precário e subalternizado.

Para finalizar, a ação policial nas favelas é mais violenta do que em outras regiões?

A polícia na favela não usa mandado. Geralmente não atua sob o amparo da lei, mas com o emprego de força ilegítima. Há uma hierarquização da cidadania que se reproduz nas distinções territoriais. A polícia não é respeitada como agente da ordem e da proteção social nas favelas e periferias. Ela é temida! Para mudar, faz-se necessário uma política de segurança que efetive os direitos dos moradores das favelas, assegure a paz e proteja os cidadãos do risco e de práticas de violência a que estão submetidos no seu cotidiano.


Fonte: Folha de Londrina, 01/04/2008.

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