O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini defende que o uso de drogas deve ser descriminalizado com base no direito à liberdade garantida pela Constituição, razão pela qual a lei não pode punir uma autolesão. Ementrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele afirmou que o consumo deve ser tratado como questão de política de saúde, não como crime.
Seus argumentos estão reunidos no livro Porte de Drogas para Uso Próprio e o Supremo Tribunal Federal, que será lançado na segunda-feira (22/6). Um parecer de Bottini sobre a punição a um consumidor de maconha é a base do livro.
A publicação questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que aborda a criminalização do usuário e a pena de privação de liberdade. O assunto é discutido no Supremo Tribunal Federal por meio de um Recurso Extraordinário (RE 635.659).
A ação, de autoria da Defensoria Pública de SP, contesta a constitucionalidade da regra que prevê penas ao usuários de entorpecentes. O ministro Gilmar Mendes, relator, liberou seu voto nesta quinta-feira (18/6), mas a questão só será julgada no segundo semestre.
Como o caso teve repercussão geral reconhecida, a decisão deve impactar outros processos em todo o país. Ainda seria preciso estabelecer regras sobre produção, venda e a quantidade que configura “uso pessoal”.
Leia trechos da entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo:
Quais são os principais argumentos contra a criminalização do usuário de drogas?
Pierpaolo Cruz Bottini - O primeiro é de ordem constitucional. Todo o nosso sistema é baseado na liberdade do ser humano. Do ponto de vista criminal, você pode fazer o que quiser, desde que não prejudique terceiros. Quando se fala do uso de drogas, você fala em uma autolesão, e isso não pode ser criminalizado. Você não criminaliza o suicídio. Você não criminaliza a prostituição. Você criminaliza quem ajuda e instiga o suicida ou quem explora a prostituição. O segundo é do ponto de vista de política pública. Em todos os países em que não se trata a questão como criminal, você aproxima o usuário do Estado. Tratando como questão de saúde pública, você traz essas pessoas para o sistema de saúde de uma forma não estigmatizada.
No parecer que baseou o livro, o senhor fala que a mudança da lei em 2006 não trouxe uma nova abordagem da polícia em relação aos usuários de drogas. Como mudar isso?
O problema é de prática policial, e isso deve ser resolvido no âmbito da própria polícia. Você precisa treinar os policiais, o que poderia ser feito desde já. Há muitos casos em que a polícia trata usuários e traficantes da mesma forma. É necessário haver um treinamento para que o usuário não seja tratado dessa forma.
Há quem argumente que o usuário deve ser criminalizado, pois sem ele não há tráfico. O que o senhor acha?
O usuário é a vítima do tráfico. Quem compra um rádio roubado é tão criminoso quanto o vendedor, porque a vítima é quem teve o rádio roubado. No tráfico, o usuário é a própria vítima, porque ele se autolesiona, e não faz sentido ele ser castigado por um ato do qual ele é a vítima. É contraditório.
A lei que determina a política antidrogas brasileira é de 2006, mas os números do tráfico só sobem. O que está bom e o que precisa melhorar?
Tirar a pena de prisão em 2006 já foi um grande avanço, mas a questão das drogas no Brasil ainda é um tabu. Não dá para esperar uma revolução, uma ruptura na questão das drogas. As coisas no Brasil vão aos poucos. Foi um primeiro passo, que partiu do Legislativo. O segundo passo agora é descriminalizar, e o Judiciário é que vai poder definir as pautas e balizas, sendo agora um protagonista importante.
O senhor acha que o STF vai decidir pela descriminalização?
Eu tenho esperança que sim. O STF tem mostrado uma visão progressista, que já foi revelada em outras questões, como a da união homoafetiva. A expectativa é boa.
Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2015.
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