Quando se trata de políticas carcerária e de segurança pública, “estamos enxugando gelo”, diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A afirmação foi feita nesta terça-feira (23/5), durante o lançamento dolevantamento de informações sobre a população carcerária do Brasil, feito pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (Infopen).
O estudo mostrou que, em julho de 2014, o Brasil tinha 607,7 mil presos e que a população encarcerada do país cresceu quase sete vezes em 25 anos. No mesmo período, segundo dados do Censo do IBGE, a população brasileira cresceu 40%.
A pesquisa também mostrou que 41% dos presos registrados no Brasil até julho do ano passado ainda não tinham sido objeto de nenhum tipo de decisão judicial. Ou seja, sequer há sentença condenando-os à prisão.
Com esses dados, o país chegou a uma taxa de encarceramento de 300 pesssoas para cada 100 mil habitantes. A a uma taxa de ocupação de 161%: são 607 mil presos distribuídos em 376,6 mil vagas; faltam 231 mil vagas.
Cardozo lembrou que o Brasil hoje tem 459.772 mandados de prisão “em aberto”, ou seja, não cumpridos. “Imaginem o colapso do sistema penitenciário caso esses mandados passem a ser cumpridos?”, questionou, durante entrevista coletiva concedida nesta terça.
O ministro lamentou os números. Contou que em novembro de 2011 o governo federal lançou um programa “agressivo” de construção de presídios e gastou R$ 1,1 bilhão. Isso resultou na criação de 40 mil vagas, que só serão entregues ao fim de 2017.
“Se for mantido o atual ritmo de encarceramento, em 2022 teremos mais de um milhão de pessoas presas. Em 2075, um em cada dez habitantes do Brasil estará preso”, afirmou Cardozo.
Ambiente hostil
O ministro também lamentou o que se passa dentro dos presídios. O Brasil é considerado um país violento, pelos padrões da Organização das Nações Unidas. Apresenta uma taxa de homicídios de 26,6 para cada 100 mil habitantes quando o considerado “aceitável” é 10 para 100 mil.
Nos presídios, a taxa de homicídios, ou “mortes intencionais”, é de 167,5 mortes para cada 100 mil habitantes. Mais de seis vezes maior. Só no primeiro semestre de 2014, foram 565 mortes no cárcere. Isso porque os dados sobre São Paulo e Rio de Janeiro foram desprezados — por terem sido considerados inconsistentes ou incompletos.
O lado de dentro das grades também é bem mais insalubre que o de fora. O Brasil apresenta uma taxa de portadores do vírus HIV de 20,4 soropositivos para cada 100 mil habitantes. Nos presídios, essa taxa é de 1.215,5 por 100 mil: uma pessoa tem 60 vezes mais chances de se infectar com Aids dentro de um presídio do que fora.
Maioridade penal
Cardozo contou que pretendia lançar o estudo em julho, junto com outras medidas relacionadas a políticas de segurança pública. Adiantou a divulgação por causa da velocidade com que tramita a Proposta de Emenda à Constituição que pretende reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos.
O ministro disse considerar a maioridade penal aos 18 anos cláusula pétrea da Constituição Federal, já que está descrita no artigo 5º. Ele também falou que estudos ao redor do mundo não conseguiram encontrar nenhuma relação entre a redução da maioridade e a redução da criminalidade.
Cardozo enumerou decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos recomendando o país a voltar atrás de decisões que reduziram a maioridade penal. E o Departamento de Justiça dos EUA tem recomendado o mesmo para os estados que o fizeram.
No Brasil, as projeções feitas pelo Ministério da Justiça são de que, caso a maioridade penal seja reduzida, o sistema carcerário vai receber entre 30 mil e 40 mil jovens por ano, contando apenas os crimes de roubo agravado e tráfico de drogas. Ambos os crimes são abarcados pela PEC da Maioridade, de número 171.
“Vamos olhar para a realidade brasileira. É solução colocar os jovens nesse sistema? Para serem infectados por Aids? Para serem mortos? O sistema já está colapsado”, afirmou o ministro.
O gelo
Outro dado que chama atenção da pesquisa do Infopen é a falta de dados sobre a população carcerária de diversos estados. São Paulo, por exemplo, tem a maior população presa do mundo e deixou de enviar informações sobre quesitos fundamentais, como a taxa de mortalidade em presídios. Ou apresentou dados inconsistentes sobre os tipos penais que mais levaram pessoas à prisão. O mesmo com Rio de Janeiro, por exemplo.
Cardozo acredita que não se tratou de má-vontade por parte dos estados. Ele credita a falta de dados a problemas de gestão. Mas o fato é que a realidade mostra que as administrações estaduais não se empolgam com o assunto.
“É de fato impossível impor qualquer coisa verticalmente. O que o governo pode fazer é propor, recomendar, repassar verba etc. Não posso impor, tenho que sensibilizar. Mas é importante deixar claro que não se trata de culpa dos estados. A culpa é do Estado brasileiro.”
Cardozo lembrou que sempre teve em mente que, nessa área, sempre se gastou mal. Já faz tempo que é senso comum que os problemas de segurança pública são de gestão. “Quando me tornei ministro, vi que não existiam dados sobre isso: estados não administram essas informações, delegacias fazem boletim de ocorrência à mão.”
O ministro usou o tema para justificar a Proposta de Emenda à Constituição que pretende centralizar na União o papel de desenvolver políticas da área. O texto ainda está na Casa Civil da Presidência e ainda não foi enviado ao Congresso. “A União precisa ter algum protagonismo nisso, mas eu não recrimino os estados. Não há gestão nessa área. É um problema histórico, mas que precisamos resolver.”
Revista Consultor Jurídico, 23 de junho de 2015.
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