O Auto de Resistência é um legítimo e necessário Instituto Jurídico, expressamente previsto no Código de Processo Penal e que legitima a ação dos agentes do Estado, quando atacados injustamente e usam da força para o regular exercício de sua defesa.
Ocorre, entretanto, que a polícia do Brasil e talvez a do estado do Rio de Janeiro é a força policial que mais mata no planeta e, via de regra, agasalhada por Autos de Resistência.
Tenho visto muito casos dessa natureza, quando o policial mata no exercício de suas funções — normalmente sob alegação de supostos confrontos armados em favelas, morros e locais de extrema pobreza — o fato é levado à Delegacia de Polícia e quase sempre registrado como Auto de Resistência, gerando, assim, um desestímulo investigativo, não apenas por possível corporativismo, mas também porque normalmente a vítima é um indivíduo ligado ao crime, morador de local de incidência do tráfico, com passagens criminais anteriores e com ele, foram supostamente encontrados material entorpecente, armas etc, tudo arrecadado pelos próprios policiais que participaram do confronto e as testemunhas, por sua vez, são os próprios policiais envolvidos na suposta resistência.
Assim, em casos como esses, a investigação se limita a ouvir as testemunhas (policiais que participaram do suposto confronto armado), e à juntada da folha de antecedentes criminais da vítima e do Auto de Exame Cadavérico, o qual não raras as vezes, mostra que a vítima foi abatida por diversos disparos de arma de fogo.
Nesses casos, raramente são feitas perícias no local, seja por falta de interesse da polícia investigativa, seja porque a vítima foi retirada do local (supostamente para ser socorrida em hospital) ou ainda, porque o local foi desfeito ou é de difícil acesso em razão da própria criminalidade violenta do local.
Com isso, o inquérito decorrente do Auto de Resistência é concluído sem praticamente nenhuma investigação e o procedimento é enviado ao Ministério Público, que praticamente sem o que fazer naquele momento, limita-se a pedir o arquivamento do inquérito e o juiz, sem qualquer opção, pois não lhe cabe fazer investigações, acaba por determinar o arquivamento, quase sempre revoltado com a falta de iniciativa investigatória e com a banalização das mortes das vítimas.
No exercício da judicatura, muitas vezes, eu não aceito essa banalização e, sempre que possível — desde que haja um mínimo de possibilidade —, rejeito esse pedido de arquivamento, encaminhando ao Procurador-Geral da Justiça, que para satisfação social e da Justiça, manifesta-se contrariamente ao arquivamento e desde logo determina que um outro Promotor ofereça denúncia contra os policiais ou determina o prosseguimento das investigações.
Entretanto, na grande maioria dos casos de Auto de Resistência, como não houve praticamente qualquer investigação e não havendo mais possibilidade disso ocorrer, o Promotor é “obrigado” a postular o arquivamento do inquérito e o juiz sem qualquer opção, também se vê na contingência de mandar o procedimento para o arquivo.
Acredito que há casos em que o Auto de Resistência é legítimo e está completamente dentro da lei, mas isso raramente se pode afirmar, já que, em regra, não há uma apuração criteriosa sobre o que de fato se passou e assim, também por falta de instrução probatória, também acaba indo para o arquivo, trazendo uma confusão entre os autos legítimos e os criminosos.
Nesta conformidade, não cabe ao juiz nenhuma responsabilidade pela falta de investigação desses procedimentos e muitas vezes ao Promotor de Justiça também não, muito embora o Órgão do Parquet, que detém o controle da investigação e o controle externo da Polícia, poderia estabelecer providências para a devida apuração desses casos até mesmo estabelecendo um plantão de Promotores, que comparecerem imediatamente à Delegacia de Polícia para determinar diligências, perícias, buscas, etc a fim de, naquele momento e de alguma forma, iniciar a investigação de forma mais efetiva, especialmente quando sabidamente a investigação é precaríssimas e a polícia do Brasil é a que mais mata no mundo.
Fábio Uchôa Montenegro é juiz titular da 1º Vara do Júri do Rio de Janeiro
Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2015.
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