Área de lazer de unidade para jovens infratoras no Pará
Área onde as meninas assistem televisão no Pará
Quarto de uma cela na unidade do Pará
São Paulo – “A gente não tem escola, não tem lazer. É 24 horas trancada aqui”, relata uma jovem detida no Distrito Federal. “O povo manda uma comida que parece lavagem. Frango cru”, reclama outra, da mesma unidade. “Quando alguém adoece, a gente ‘morre’ porque aqui não tem remédio”, relata uma menina em Pernambuco.
As frases são de adolescentes presas em unidades para jovens infratoras de todo o país. Elas evidenciam uma realidade constante nesses locais, marcada pela falta: falta de acompanhamento escolar, falta de atividades físicas, falta de atendimento médico, falta de comida de qualidade.
Num tempo em que a sociedade discute com fervor a possibilidade de redução da maioridade penal, conhecer o cotidiano dessas meninas pode ajudar a compreender mais profundamente o problema.
Os relatos estão numa pesquisa encomendada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e realizada pela Unicap (Universidade Católica de Pernambuco). A análise considerou unidades de internação nos estados de Pernambuco, Pará, Distrito Federal, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Para a pesquisadora Marília Montenegro Pessoa de Mello, que coordenou o levantamento, a situação encontrada nestes locais mostra que, na realidade, os jovens são presos desde os 12 anos, e não só depois dos 18.
Na teoria, as medidas para adolescentes deveriam ser diferentes do ambiente prisional, explica Marília. Porém, não é o que ocorre na prática. “As pessoas já estão em estabelecimentos como esses a partir dos 12 anos. E muitas vezes o adolescente está em restrição por algo que um adulto não estaria”, afirma.
Menina tem que limpar
No caso específico das meninas, a pesquisa mostra uma discriminação recorrente em relação aos meninos. No Rio Grande do Sul, as garotas são obrigadas a limpar toda a unidade de internação, enquanto eles não têm essa obrigação. Algumas também trabalham na lavanderia, que limpa as roupas delas e dos meninos -- a atividade não é oferecida para eles.
A pesquisadora também conta que as penas das garotas muitas vezes são maiores que a dos garotos. “As meninas são internadas por questões menores do que os meninos, e às vezes ficam mais tempo do que eles. Acontece de a menina ser internada junto com um irmão ou um companheiro. E muitas vezes elas têm um papel secundário no crime. Mesmo assim eles conseguem sair antes delas”, conta.
Para Marília, a diferença de tratamento se explica pelo contexto social. “O machismo da sociedade é reproduzido na instituição. É como se meninas tivessem que seguir o perfil da boa moça”, analisa.
Menina não pode fazer sexo
Uma reclamação constante das adolescentes entrevistadas é sobre a visita íntima. De acordo com o levantamento, nenhuma unidade pesquisada oferece esse benefício, apesar de ele ser um direito assegurado pela legislação. As visitas são vetadas mesmo para jovens maiores de idade, casadas e com filhos.
“Só os meninos que têm esse direito, nós não. O porquê eu não sei, mas eu acho que os direitos deveriam ser iguais. Eles podem receber as mulheres, a gente não pode. Eles podem visitar os familiares, a gente não pode. A gente não tem direito de estudar com eles”, relata uma das garotas entrevistada no Distrito Federal.
Com isso, muitas meninas desenvolvem relações amorosas com outras internas, o que em geral é inibido pelos funcionários. “Sem dúvida, a sexualidade das adolescentes ainda é um tabu e um objeto de controle”, conclui o levantamento. Em muitos casos as jovens que namoram são separadas na instituição.
O tabu em relação à mulher também se estende à menstruação, considerada “suja” pelos funcionários. “Todo mundo fala que na [unidade] de menino é mais limpo. Aqui (...) tem as porquices das menina ali né?”, disse um funcionário de São Paulo aos entrevistadores.
Números
O número de meninas presas é bem menor que o de meninos, e boa parte delas foi detida por tráfico de drogas. Segundo o relatório, em todos os estados pesquisados, o número de meninas em unidades de internação não passa de 50, com exceção de São Paulo.
A pesquisa ressalta que há jovens presas por atos que não deveriam levar ao encarceramento, como o desacato. A maior parte delas está detida pela primeira vez e tem entre 15 e 17 anos.
A maioria tem como responsável apenas a mãe e praticamente todas têm defasagem escolar. O relatório ressalta que, em nenhuma das unidades visitadas, as jovens tinham a possibilidade de continuar os estudos do ponto em que haviam parado quando estavam livres.
Prendemos demais
Após conhecer de perto a realidade de tantas meninas presas, Marília Montenegro acredita que a principal falha do sistema brasileiro voltado para adolescentes é “prender demais”.
Ela conta que encontrou casos de jovens presas por terem cometido homicídio após sofrerem um estupro. “Se eu tenho uma adolescente que foi estuprada, a melhor solução para ela é o encarceramento?”, questiona.
“Nossa sociedade ainda precisa ponderar a necessidade do encarceramento de meninos e meninas. Eles são detidos muito mais por sua condição social do que pela prática do crime. E então vão para um sistema que não investe para estimular esse adolescente. O encarceramento deveria ser a última alternativa”, conclui.
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