domingo, 2 de maio de 2010

VIOLÊNCIA - 'Legislação penal é branda e defasada'

Para a desembargadora Lídia Maejima, punições mais severas são essenciais para reverter os índices de violência.


Penas mais pesadas inibem a prática de crimes, principalmente com multas 

São milhares de processos em andamento para um só juiz e poucos funcionários 

Adequar a legislação penal à realidade brasileira. Aplicar penas mais pesadas. Repensar o sistema penitenciário. Rever a proibição do trabalho de menores de 16 anos. Reduzir a maioridade penal. Estruturar as polícias e convocar os pais à paternidade e à maternidade responsável. Para a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná, Lídia Maejima, essa é a receita para reduzir a violência que, segundo ela, vem aumentando em progressão geométrica em todo o País. 

Em Londrina, abril foi marcado por casos de grande repercussão. Por exemplo, os ônibus queimados por supostos integrantes de facções criminosas e as mortes do universitário Wagner Cardoso Farias, 26 anos, e do comerciante Luís Carlos Gonçalves, 31, ambos executados por assaltantes. 

Na noite de quinta-feira, mais um crime engrossou as estatísticas e aumentou, ainda mais, a sensação de insegurança na cidade. Um assalto quase resultou na morte do professor universitário Galdino Andrade Filho, que levou um tiro no abdômen ao sair de um bar na Zona Sul de Londrina. 

''Chegamos a este ponto devido à falta de educação e à legislação penal branda e defasada'', avalia a desembargadora, que foi juíza da 1 Vara Criminal em Londrina. Ela não descarta a hipótese de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) esteja atuando na região, uma vez que queimar ônibus foi uma das práticas que a facção usou nos ataques registrados em São Paulo em 2006. 

Qual a sua avaliação sobre a onda de violência que atinge o Estado? 

A onda de violência não paira somente sobre nosso Estado. Ela paira sobre todo o território nacional, lamentavelmente, o que requer atenção e providências imediatas, eficientes e eficazes por parte do poder público e da própria população. 

E que providências são essas? 

É preciso entender, inicialmente, que existem vários tipos de criminosos. Existem desde os criminosos eventuais, que são os que cometem um delito num momento de fraqueza ou de desespero, e aqueles que são criminosos profissionais. Para cada mal, um remédio. É preciso, entre muitas outras providências, atualizar a legislação penal, adequando-a à atual realidade brasileira. Neste ponto, entendo que é necessário impor maior responsabilidade aos pais das crianças e dos adolescentes, convocando-os à paternidade e à maternidade responsável. 

Um indivíduo torna-se um mau-caráter, que não conhece os limites de seus direitos e deveres, porque não é educado em casa para ter responsabilidade e respeito ao próximo. 

Apesar das correntes liberais contrárias, entendo que as penas mais pesadas inibem a prática de muitos crimes, principalmente se as mesmas atingirem o bolso do delinquente, com a aplicação de multas. É preciso também repensar o sistema penitenciário, tornando o cumprimento das penas eficiente e eficaz para a reeducação do delinquente, ensinando-o, sobretudo, uma profissão. 

É importante rever a legislação que proíbe o trabalho do menor de 16 anos. Sou contrária ao trabalho infantil. Porém, na prática, hoje, um empresário honesto que pagaria todos os direitos previdenciários e trabalhistas ao adolescente não o contrata. Porém, o traficante e o assaltante o ''contratam'', sem pagar qualquer direito ao mesmo e, o que é pior, jogando-o à criminalidade e ao vício das drogas. 

Deve-se reduzir a maioridade penal, com urgência; estruturar as polícias, aumentando o efetivo, o número de viaturas e, sobretudo, dotando-os de instrumentos para que trabalhem com serviço de inteligência para combater as organizações criminosas. Também é necessário instalar mais escolas profissionalizantes de nível médio e implantar o sistema de registro de identidade único no País, através do cadastro de impressões digitais, conforme proposta do trabalho que escrevi em parceria com o promotor de Justiça Carlos Bachinscki, de Cascavel, que já é lei federal desde 1997, mas que, até agora, não foi implantado. 

A impressão que se tem é que a gravidade dos crimes está aumentando e que os delitos estão se tornando mais frequentes. Por que chegamos a esse ponto? 

Neste ponto, é preciso ponderar que, muitas vezes, a sensação de aumento da criminalidade tem a ver com o fato de que, outrora, a maioria das ocorrências policiais nem chegava ao conhecimento da população, a não ser aqueles crimes mais graves. Hoje, os meios de comunicação informam os acontecimentos de todo o planeta, em tempo real, o que acaba causando a sensação de que só acontecem coisas ruins no mundo todo. Por outro lado, ninguém é ingênuo a ponto de não perceber que, realmente, a criminalidade vem aumentando em progressão geométrica, na mesma proporção em que a sua gravidade aumenta. 

A minha vivência de mais de vinte anos como magistrada autorizam-me a dizer que chegamos a este ponto por diversos fatores, que acabam sempre caindo na questão da falta de educação de berço e de uma legislação penal branda e defasada, de 1940, da época em que a maioria dos criminosos era formada por simples amadores na seara. 

E a sensação de impunidade e a lentidão da Justiça funcionam como um atrativo à prática de crimes? 

Sem dúvida. Por isso defendo a necessidade de adequar a legislação penal à realidade brasileira atual. A lentidão da Justiça ocorre porque, na maioria das Comarcas de todo o País, há falta de estrutura para tantos milhares de processos em andamento para um só juiz e poucos funcionários. E também em razão da legislação processual penal, que permite a interposição de incontáveis recursos pelas partes, o que acaba retardando a prestação jurisdicional. Mas, aos poucos, isto vem mudando para melhor, felizmente. 

Os governos investem o suficiente em políticas públicas voltadas à segurança? 

Não. Porém, nesse passo, é preciso entender que o Executivo tem várias áreas para administrar e precisa destinar verbas para todas e fechar as contas no final do exercício. Contudo, todo mundo sabe que o tripé basilar de uma sociedade justa e equilibrada é constituída de saúde, segurança e educação. 

A senhora acredita que o PCC pode estar atuando em Londrina? Queimar ônibus foi uma das práticas que a facção criminosa usou nos ataques registrados em São Paulo em 2006. 

Não descarto essa possibilidade, na medida em que, em se tratando de crime, tudo é possível. Mas, com relação à queima daqueles ônibus, é possível que o ato de vandalismo tenha sido praticado por indivíduos que queriam apenas imitar as ações dos criminosos dos grandes centros, como uma forma de autoafirmação no meio em que vivem.
Paula Costa Bonini
Reportagem Local


Fonte: Folha de Londrina. 02.05.2010.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog