terça-feira, 15 de abril de 2008

Sociólogo defende encontro de vítima e algoz

Howard Zehr, professor nos EUA, defende no Brasil a Justiça Restaurativa, com resolução de conflitos sem interferência do Estado.

Pioneiro na aplicação desse novo conceito de Justiça nos EUA, norte-americano lança hoje livro em que aposta na redenção de um acusado.

FERNANDO BARROS DE MELLO
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Colocar a vítima diante do algoz e abrir a possibilidade de ela relatar sua dor, na expectativa de que isso provoque uma comoção e o conseqüente arrependimento do acusado. Ingenuidade? Não é o que pensa o professor norte-americano Howard Zehr, que há 30 anos vem formulando o conceito de Justiça Restaurativa.
Diferentemente da Justiça tradicional, a proposta é delegar às partes a resolução do conflito, sem intervenção do Estado. A responsabilização pelo crime não é tipificada em lei, com pena predefinida, mas acordada entre vítima, acusado, família e comunidade.
"Algumas vítimas conseguem fazer muitas perguntas [para o acusado], até mesmo algo como "Por que você fez isso?", "Como foi?", "Quais foram as últimas palavras da minha filha?". Com isso, conseguem tirar um peso das costas, dizer à pessoa que fez aquilo como elas se sentem, o que é bom."
Professor de Sociologia e Justiça Restaurativa na Eastern Mennonite University, Virgínia (EUA), Zehr diz que um dos objetivos é fazer com que o transgressor entenda o impacto que causou à vítima.
A proposta é vista com cautela pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Marco Aurélio Mello, que vê como utopia a possibilidade de o acusado se colocar na posição da vítima. "Teríamos que imaginar uma pureza maior que não é comum nos dias de hoje."
Para o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Mozart Valadares, é preciso apostar num novo modelo, "principalmente porque o atual já mostrou que não consegue recuperar ninguém".
Zehr atua no Judiciário dos EUA dando suporte às vítimas.
Ele lança hoje, em São Paulo, o livro "Trocando as Lentes". Na terça, participará de evento em Brasília e, na quarta, abrirá o Congresso da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude, em Florianópolis, que tem o apoio do Instituto C&A. A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone à Folha.

FOLHA - Qual a diferença entre a Justiça Restaurativa e a tradicional?
ZEHR - No mundo ideal, diria que as duas trabalham juntas, em uma nova parceria. O sistema tradicional não coloca as vítimas e suas necessidades no centro da questão. Hoje o crime é contra o Estado e a lei foca, primordialmente, a punição do criminoso. A primeira coisa que a Justiça Restaurativa faz é dar à vitima um papel muito mais importante. Para isso, o principal é entender o mal que foi causado e como repará-lo.

FOLHA - Os críticos são céticos sobre encontro de vítima e acusado.
ZEHR - Não é apropriado para todos os casos e nem todas as vítimas vão querer. Um problema do modelo tradicional é que os criminosos, geralmente, não entendem o impacto que causaram e o Estado precisa provar o crime. Ao ir para a prisão não há empatia pela vítima. Na Justiça Restaurativa, a pessoa começa a pensar no que fez.

FOLHA - A consciência do criminoso é uma punição ainda mais forte?
ZEHR - Isso não ocorre com todo mundo, mas pesquisas mostram que o índice de reincidência cai em um terço. E, quando cometem um novo crime, é menos sério do que o anterior. Estudos mostram ainda que, na Justiça Restaurativa, 90% das vítimas ficam satisfeitas. A Nova Zelândia organizou o Judiciário em torno dessa idéia. O país não acredita que prender seja a melhor solução para crimes menores. Preferem o círculo restaurativo, que é acompanhado por facilitadores treinados, não por juízes, cuja presença remeteria à autoridade tradicional. Nos EUA, dois adolescentes foram condenados a prisão porque colocaram uma bomba no jardim do diretor da escola. Depois do círculo, eles pagaram o carro que havia sido destruído e foram na porta das pessoas dizer o que tinham feito. A prisão foi suspensa.

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