domingo, 27 de abril de 2008

Sete usaram veneno de rã durante ritual que matou um

A polícia de Pindamonhangaba, a 140 quilômetros da capital, ouviu nesta sexta-feira o curandeiro Jorge Roberto Rodrigues, de 40 anos, suspeito da morte do comerciante Ademir Tavares, de 52 anos. Ademir morreu sábado, após passar um creme à base de veneno de rã. Segundo o delegado Vicente Lagioto, Rodrigues disse que seis pessoas participaram do ritual, além de Ademir.

- Vamos ouvi-las na próxima semana para que detalhem suas 'viagens' - contou o delegado, referindo ao uso do veneno como alucinógeno.

Rodrigues responderá em liberdade até que saia o resultado do exame toxicológico da vítima. Na casa do curandeiro, no centro da cidade, foram apreendidos os materiais usados no ritual, que passarão por perícia. Segundo a polícia, o curandeiro disse que o veneno era extraído de uma rã. No início, a informação era que o veneno era de sapo. O curandeiro teria conhecido o método por meio do Santo Daime, doutrina espiritualista criada por índios.

Tavares recorreu à pomada, chamada kambô (ou kambo), em busca de solução para o vício de seu filho em drogas. A causa de sua morte não foi esclarecida.

- Não há sinais de choque cardíaco ou anafilático, nem mesmo de trauma. Pode ter sido uma interação com alguma outra substância - avalia Lagioto.

Para investigar o caso, o delegado espera contar com a ajuda do Ibama, a quem mandou e-mail, e da Vigilância Sanitária.

Vários médicos foram ouvidos sobre o caso. Para Francisco Siqueira França, do Hospital Vital Brasil, a causa da morte pode ser uma arritmia cardíaca (perturbação nos batimentos).

- Dependendo do quanto a pele absorveu de veneno, ele pode ter tido uma intoxicação aguda que poderia causar a arritmia - explica.

O médico conta que já viu no hospital pacientes com problemas como irritação no olho por passarem a mão em sapos e, depois, nos olhos. O biólogo Carlos Jared ressalta que o kambô propriamente dito usa veneno de perereca, não de sapo ou rã.

- Os venenos são diferentes - diz.

Segundo ele, "é meio óbvio que uma pessoa passe mal por usar um veneno que os anfíbios produzem para se defender de predadores". Segundo ele, a toxina precisa passar por tratamento químico para se tornar benéfica.
Em defesa do kambô

- Na minha mão, funciona - garante o industrial de Sorocaba Fernando Dini Neto, de 61 anos, que diz praticar o Santo Daime há 12 anos. Há cerca de cinco anos, ele soube do uso do veneno de rã ou sapo para tratar doenças. Dini Neto diz que aplicou a pomada em várias pessoas, sempre com sucesso.

Segundo ele, as contra-indicações para usar o creme incluem quem foi operado do coração, usuários de marcapasso, ou quem tem ponte de safena, quem foi operado há menos de um ano, mulheres grávidas e menstruadas. O industrial afirma que o kambô leva à auto-cura pela harmonização.
Homeopata é contra

O pediatra e homeopata Moisés Chencinski condena o kambô e ressalta que a pomada nada tem a ver com a homeopatia, além de ser proibida pela Anvisa. Segundo ele, o kambô é muito procurado por pessoas interessadas em seus efeitos alucinógenos.

Para o médico, no caso de Tavares, o comerciante se desesperou por causa do vício do filho. No Brasil, diz ele, há uma cultura de favorecer crença em vez de ciência.


O Globo Online, 27/04/2008.

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