quarta-feira, 9 de abril de 2008

Regulamentação da venda de droga pode ser a única solução

por Alexandre Forte

Tenho meditado se o Congresso Nacional, com a sanção do Poder Executivo, portanto, se o Estado, esse monstrengo ideológico, mas indispensável à integração social, ao promulgar uma lei com pretensão de validade pode contrariar impunemente as leis da razão.

Quem há de punir o Estado pela sua desrazão legislativa? A própria irracionalidade da lei, ao deslegitimar a autoridade constituída, ao retirar a aceitação geral da norma por ser esta contrária, na prática, aos fins que almeja, ou porque os fins almejados não encontram ressonância na realidade social, constitui, em verdade, uma grave punição ao Estado: incrementa-se a desordem e todas as mazelas institucionais da crise de autoridade.

A Lei 11.343/2006, revogando a antiga Lei de Tóxicos, criou institutos sui generis de punição aos usuários de drogas: 1) advertência sobre os efeitos das drogas, nada mais representa do que um carão do juiz; 2) prestação de serviços à comunidade, é o mínimo de retorno que os bacanas devem à sociedade; 3) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo – excelente pena para os usuários que têm graduação, mestrado e doutorado. Ou será que a elite intelectual não consome drogas?

Não bastassem estas severas penas, os usuários que se recusarem a cumprir tais medidas ficarão impunes, à falta de previsão legal. O que se apreende da leitura da lei é a completa inutilidade do processo, no que diz com a punição do usuário.

Ora, esta política, embora louvável sob a ótica da dignidade humana (do usuário) e da política criminal — que deve na medida do possível ser despenalizadora, tem o inconveniente sério de chancelar a demanda nada estagnada das drogas ilícitas, carregando toda a responsabilidade penal sobre os fornecedores de drogas.

Pior de tudo: penas maiores para os traficantes. Como se o encarceramento tivesse alguma eficácia na recuperação dos traficantes ou algum efeito dissuasório na mão-de-obra da narco-traficância. Para esses não vale a dignidade humana. Foram equiparados a demônios, pessoas quase inumanas pelo imaginário que a opinião publicada começa a formar com a ajuda do legislador hipócrita que protege os bacanas da classe média e alta que consomem coca e chocolate, mas condena os operários da fábrica.

Basta abrir qualquer jornal, de norte a sul da América Latina, para se chegar a uma constatação candente e explosiva: não há como esbarrar o atual comércio de drogas enquanto existir gente disposta a pagar para consumir e enquanto esse mercado mais que bilionário, livre de impostos, ficar à mercê de bandidos e agentes corruptos do Estado.

A exemplo do que se dá com as bebidas alcoólicas, a regulamentação pode não ser a mais perfeita das soluções, mas é mais factível e sensata para uma sociedade imperfeita, demasiado humana e consumista. É isto ou o círculo de balas achadas e perdidas num inferno de fogo cruzado entre a desordem do Estado e o toque de recolher dos barões do tráfico.

Revista Consultor Jurídico, 25 de outubro de 2007

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