domingo, 13 de abril de 2008

Quem mata e quem morre

Aluno da escola Estadual José do Patrocínio, o adolescente Daniel André de Deus Correa, o Baratinha apresentava dificuldades de aprendizado. Cursou duas vezes a 2ª série do Ensino Fundamental e duas vezes a 3ª série. Matriculado na turma 43, ia para a terceira tentativa de sair da 4ª série.

- Ele era mais "promovido" do que aprovado - conta uma professora.

Executado de forma cruel mesmo para um bandido calejado, com oito tiros no rosto, Baratinha sintetiza o perfil de quem mata e de quem morre na periferia de Porto Alegre. Aos 13 anos, era apontado como leva-e-traz da gangue do Chiquinho na Restinga Velha - grupo que disputa a hegemonia pelo tráfico local com a gangue do Carro Velho.

A atividade o afastava do colégio, o que talvez ajude a explicar seu desempenho sofrível. No ano passado, assistiu a 37 das 200 aulas na escola, o que impediu, inclusive, a sua "promoção" para a série seguinte.

- Às vezes, ele chegava cheio de sono. Dormia a manhã inteira na classe - conta outra professora.

Fora da sala de aula, cometia pequenos delitos. Em 15 de agosto de 2006, com apenas 12 anos, foi detido com outros dois amigos furtando um cavalo. A Justiça o encaminhou ao Conselho Tutelar, que passou a monitorá-lo. Era o primeiro envolvimento documentado de Baratinha com o mundo do crime. Mais tarde, policiais o flagraram portando arma. O caminho para a morte estava sendo trilhado.

A auxiliar de cozinha Marta da Rosa de Deus, 30 anos, mãe de Baratinha, desconhece o momento exato em que o menino se envolveu com as más companhias. Mas cita dois episódios familiares traumáticos que podem ajudar a compreender a trajetória errante de uma criança: quando ele tinha apenas oito anos presenciou o pai espancando a própria mãe. Revoltado, não quis mais contato com os pais.

O segundo momento, acredita Marta, foi mais marcante. A morte de Maria Sirle, com 63 anos, há cerca de um ano e meio, abalou o garoto, que planejava tatuar o nome da avó no antebraço direito.

Temendo a morte do filho, Marta decidiu deixar a Restinga no início de março. Com ela, seguiram dois dos três filhos: uma garota de 10 anos e um menino de cinco anos. Baratinha permaneceu.

- Ele ficou morando com uma tia, mas pretendia vir morar com a gente. Eu não queria que ele morasse mais lá - recorda Marta.

O dia em que Baratinha morreu coincidiu com o reinício das aulas. O garoto chegou ao colégio às 13h15min. Estava triste e se queixava de dor no pé direito, recordam professores. Foi atendido em um posto médico e liberado. Seu último dia na escola foi incompleto, como sua trajetória colegial.

Às 19h19min do dia 19 de março, Baratinha ligou para a mãe. Como sempre, deixava chamar e desligava. Aguardava o retorno.

- Ele disse que tinha ido à escola e que tentaram matá-lo. Pediu para ser transferido para outro colégio até que se mudasse (ele pretendia morar com a mãe) - recorda a mãe.

A direção da Escola José do Patrocínio desconhece a ameaça.

Às 19h57min, o segundo e último contato. Com a voz trêmula, Baratinha chorava ao telefone. Segundo Marta, um homem, que estava com seu filho, pegou o aparelho e disse: "Tia, o Baratinha tá chorando com medo de um cara, mas o cara não vai matar ele". Marta falou: "Então, leva o telefone até esse cara para eu falar com ele".

O celular foi desligado.

Marta ligou para o filho às 20h16min. O celular só chamava. O adolescente magricela e alegre, que pintava o cabelo de loiro e adorava calçar tênis da marca Nike e vestir camiseta com o nome de Ronaldinho às costas, estava morto.


Zero Hora, 13/04/2008.

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