sábado, 19 de abril de 2008

Quanto mais grave o crime, mais garantias deve ter o réu

Quanto mais grave o crime, maior deve ser o zelo com as garantias constitucionais. O entendimento foi usado pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, para determinar o relaxamente da prisão preventiva de Paulo Eufrásio da Silva. O ministro anulou a sentença do Tribunal do Júri de São Paulo pelos crimes de homicídio qualificado, estupro e atentando violento ao pudor por considerar que Silva não foi bem defendido. Silva está preso desde maio de 2000.

Ele foi condenado por homicídio qualificado de um menino de 14 anos e estupro e atentado violento ao pudor cometidos contra uma menina de 13 anos. A condenação foi anulada em um pedido de Habeas Corpus também julgado por Marco Aurélio, em setembro do ano passado. Desde então, Silva continuava preso porque o ministro não se pronunciou sobre o eventual relaxamento da prisão. Por isso, a defesa fez novo pedido de HC, julgado no dia 12 de abril pelo ministro.

A defesa argumentou que não estavam presentes os motivos alegados para manter Silva preso — preservação da ordem pública e conveniência da instrução criminal. O pedido foi negado em primeira instância e a decisão, mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O argumento foi de que o STF não havia autorizado o réu a aguardar o novo julgamento em liberdade.

O TJ paulista desqualificou, também, o argumento de excesso de prazo da prisão preventiva, sustentando que, entre setembro de 2007, data da decisão do STF que anulou o julgamento pelo júri, e fevereiro deste ano, quando foi impetrado o pedido de HC no TJ-SP, haviam transcorrido apenas cinco meses.

Dessa decisão, a defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. A relatora, desembargadora convocada Jane Silva, indeferiu o pedido de liminar usando como fundamento a Súmula 691, do STF, que veda a concessão de liminar em HC ajuizado contra decisão de relator de outro tribunal que o tenha indeferido.

Foi contra essa decisão que a defesa pediu o HC ao Supremo Tribunal Federal. “Mostra-se incompreensível pretender-se atribuir à decisão proferida no citado Habeas fator interruptivo do prazo de custódia preventiva, voltando-se à estaca zero”, afirmou o ministro Marco Aurélio, sobre a alegação do TJ-SP. Segundo ele, “o excesso de prazo deve ser perquirido levando-se em conta a data em que implementada a prisão — no caso, em 2000 — e a circunstância de o processo ainda não haver findado”.

Ainda segundo o ministro, “pouco importa a gravidade da imputação, ou imputações. Até aqui, o paciente é simples acusado, muito embora com sentença contra si prolatada, mas que apenas implicou a submissão ao juiz natural, ao Tribunal do Júri. Aliás, quanto mais grave a imputação, maior deve ser o zelo na observâcia das franquias constitucionais”.

O ministro superou a 691 e mandou soltar o preso.

Leia a decisão

PRISÃO PREVENTIVA – PROJEÇÃO NO TEMPO – JÚRI – DECLARAÇÃO DE NULIDADE – IMPETRAÇÕES SUCESSIVAS – LIMINAR DEFERIDA.

1. Eis as informações prestadas pela Assessoria:

Na assentada de 4 de setembro de 2007, o Supremo concedeu a ordem requerida no Habeas Corpus nº 85.969-1/SP, da relatoria de Vossa Excelência, apontando que a defesa do acusado não se mostrou efetiva. Declarou a nulidade dos atos praticados no processo e proclamou a insubsistência do veredicto dos jurados, determinando a realização de novo julgamento (folha 130).

Os advogados apresentaram pedido de relaxamento da prisão do paciente, tendo em conta o referido pronunciamento e o fato de o réu se encontrar preso preventivamente por quase oito anos, sem formação de culpa. O pedido foi indeferido, afirmando-se a persistência dos motivos consignados – preservação da ordem pública e conveniência ditada pela instrução criminal. Acrescentou-se ser cabível a custódia quando há prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria. No caso, ao ora paciente foram imputados crimes graves – homicídio qualificado, tendo como vítima um adolescente de 14 anos, estupro e atentado violento ao pudor, sendo vítima destes últimos uma adolescente de 13 anos. Além disso, não seria ele primário e não possuiria ocupação lícita ou residência fixa. Quanto à alegação de excesso de prazo da prisão, asseverou-se mostrar-se razoável que o marco fosse definido a partir do fato concreto superveniente – o acórdão que implicou a anulação do veredicto dos jurados. Acerca do direito à liberdade provisória, o Supremo não teria se manifestado (folhas 67 e 68).

Impetrou-se ordem de habeas corpus no Tribunal de Justiça, requerendo-se o afastamento da prisão ante o excesso de prazo da custódia e o mencionado acórdão do Supremo (folha 69 a 78). A medida cautelar foi indeferida, sob o fundamento de, na decisão desta Corte, não ter ficado determinado que o paciente aguardasse em liberdade o novo julgamento perante o Júri. Consignou-se, mais, que, entre a data do acórdão por meio do qual a defesa obteve a anulação do veredicto dos jurados e o dia 19 de fevereiro de 2008, teriam transcorrido alguns meses, não sendo possível falar em excesso de prazo (folha 79).

O indeferimento foi impugnado perante o Superior Tribunal de Justiça. Alegou-se que o paciente estaria submetido a constrangimento ilegal, em virtude de o Tribunal estadual, mesmo cientificado da declaração de nulidade do julgamento pelo Júri, ter indeferido o benefício do relaxamento da prisão preventiva em razão do excesso de prazo para a formação da culpa. A Desembargadora Jane Silva - atuando no Superior Tribunal Justiça – entendeu relevante a tese suscitada na petição inicial, mas indeferiu a medida liminar. Ressaltou o óbice do Verbete nº 691 da Súmula desta Corte e relegou o exame da questão para a ocasião do julgamento do mérito da impetração (folhas 95 e 96).

Este habeas volta-se contra a referida decisão. Os impetrantes destacam o julgamento proferido pelo Supremo e argumentam que o paciente se encontra preso na Penitenciária I de Balbinos, Estado de São Paulo, há quase oito anos – decretada a prisão temporária em 31 de maio de 2000 (folha 20), convertida em prisão cautelar (folha 21), os fundamentos desta teriam sido ratificados na sentença de pronúncia (folha 27 a 32). Requerem, liminarmente, o relaxamento da prisão. No mérito, pleiteiam a confirmação do provimento.

2. Houvesse surgido, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 85.969-1/SP, a questão alusiva à projeção da custódia do paciente no tempo, hoje sob o ângulo preventivo, ter-se-ia, ante a ordem natural das coisas, ante o direito vigente, determinado a expedição de alvará de soltura. Com a declaração de nulidade do Júri realizado, porque o paciente esteve indefeso, a prisão preventiva, a esta altura, aproxima-se de oito anos.

Mostra-se incompreensível pretender-se atribuir à decisão proferida no citado habeas fator interruptivo do prazo de custódia preventiva, voltando-se à estaca zero. O excesso deve ser perquirido levando-se em conta a data em que implementada a prisão - no caso, em 2000 - e a circunstância de o processo ainda não haver findado. Fora disso, estabelece-se critério de plantão incompatível com o sistema pátrio. Pouco importa a gravidade da imputação, ou imputações. Até aqui, o paciente é simples acusado, muito embora com sentença contra si prolatada, mas que apenas implicou a submissão ao juiz natural, ao Tribunal do Júri. Aliás, quanto mais grave a imputação, maior deve ser o zelo na observância das franquias constitucionais.

Tenho o quadro como a revelar excepcionalidade que reclama o abrandamento do Verbete nº 691 da Súmula do Supremo, e ninguém melhor para fazê-lo do que o Tribunal que o editou, mormente em situação concreta na qual veio a assentar a nulidade do julgamento procedido, para que outro se realize, dispondo o acusado da inafastável defesa, a configurar garantia constitucional de envergadura ímpar.

3. Concedo a medida acauteladora para determinar a expedição de alvará de soltura considerada a prisão preventiva do paciente formalizada no Processo nº 2.081/00, do Primeiro Tribunal do Júri de São Paulo. Consigno que este ato, precário e efêmero, não resulta no prejuízo dos habeas em curso no Tribunal de Justiça e no Superior Tribunal de Justiça. Cumpram o alvará de soltura com as cautelas próprias, vale dizer, caso o paciente não se encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso do ora examinado, devendo ser advertido da necessidade de atender aos chamamentos judiciais, já agora contando com a atuação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

4. Colham o parecer da Procuradoria Geral da República.

5. Publiquem.

Brasília, 12 de abril de 2008.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2008

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