quinta-feira, 17 de abril de 2008

É preciso enxugar mais a legislação processual

A revista Consultor Jurídico, citando pesquisa apresentada pela própria presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, escrevia, em 2007, que 70% do tempo gasto na tramitação de um processo nos tribunais brasileiros correspondem à repetição de juntadas, carimbos, certidões e movimentações físicas dos autos. Caso essas práticas, meramente burocráticas, pudessem ser evitadas ou reduzidas significativamente, os juízes teriam muito mais tempo para exercer sua missão de resolver litígios.

Em verdade, muito dessa ritualística poderia ser cortada ou racionalizada ao extremo, tendo em vista que consiste em despachos através de formulários padronizados, preparados e aplicados muitas vezes, sem nenhum critério seletivo pelos Cartórios e referendados pelos magistrados, muito mais envolvidos na análise do mérito das questões e em audiências intrincadas, com produção de provas.

Esse tipo de procedimento é altamente danoso para o andamento dos processos. Impedir, porém, que aconteçam, fora da hipótese da virtualização eletrônica integral dos processos, incluindo o acompanhamento, a remessa e recepção de petições, a notificação de despachos e decisões, parece um nítido cenário do futuro, embora os meios estejam à mão.

Conforme outro levantamento, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em fevereiro de 2008 — Justiça em Números — Indicadores Estatísticos do Poder Judiciário — 43 milhões de processos pendem de julgamento na Justiça brasileira. Deste total 33 milhões se encontram na primeira instância.

O levantamento engloba a primeira e a segunda instância das Justiças Estadual, Federal e Trabalhista, além dos Juizados Especiais Federais e Estaduais e turmas recursais. A pesquisa mostrou que a Justiça Federal apresentou nos últimos anos números mais animadores que anteriormente, pois, em 2006, os cinco Tribunais Regionais Federais julgaram mais processos do que receberam (ingressaram 378 mil novos e foram julgados 438 mil, um saldo positivo de 60 mil).

As providências legais-processuais para debelar a expansão dos processos e seus desdobramentos, são, no entanto, esparsas e tímidas. Existe, por exemplo, submetida a julgamento do Plenário do Senado o Projeto de Lei 117/2007, que já passou pela Câmara dos Deputados e pela Comissão de Justiça do Senado, prevendo a suspensão de Recursos Especiais (REs) ao Superior Tribunal de Justiça com teses idênticas. Os números apontam para a necessidade da medida: em 2005 foram encaminhados ao STJ mais de 210 mil REs fundados em matérias idênticas, número que aumentou para mais de 251 mil em 2006.

Na avaliação geral do Seminário Perspectivas para a Justiça Brasileira, promovido em Brasília em dezembro de 2007 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Escola Nacional de Magistratura (ENM) em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério da Justiça, em que se discutiu o Relatório do Banco Mundial Brasil: fazendo com que a Justiça conte, foi apontada a falta de efetividade e agilidade no sistema processual frente à crescente demanda; a necessidade de investimentos na área da gestão e também a necessidade do estabelecimento de parcerias com instituições acadêmicas para aperfeiçoar os métodos estatísticos para o melhor diagnóstico dos problemas que afetam o Judiciário.

Nesses debates uma opinião mais frontal foi apresentada pelos profissionais da imprensa, que opinaram que os problemas que lhes pareciam como os maiores do setor fundavam-se basicamente na questão da impunidade, como conseqüência da morosidade, da falta de acesso à Justiça e mesmo da corrupção no Judiciário. Há talvez uma forma mais branda de corrupção, em geral pouco apontada, que consiste nos privilégios de apadrinhamento e aceleração do andamento de certos processos, em decorrência do compadrio e amizade entre advogados e magistrados, em detrimento da desaceleração e engavetamento de muitos outros, por razões análogas ou a falta dessa motivação.

Além dos problemas apontados, talvez se possa dizer que o judiciário não aplica, ao menos na intensidade e freqüência em que deveria, os dispositivos processuais existentes para punir a litigância de má fé. Nesse ponto esse olhar quase leniente decorre também da difícil percepção do limiar entre as práticas da litigância de má fé e o uso da argumentação jurídica, prevalecendo, por vezes, um tratamento benigno, em direção ao tratamento como retórica jurídica para desculpar a litigância de má fé.

A teoria dos fractais, acidentes irregulares que devem ser introduzidos e analisados em todas as demonstrações de fenômenos naturais regulares, talvez também ajude a explicar, em parte, a irregularidade paradoxalmente regular do aumento gradual e crescente dos processos no judiciário embora as várias providências visando a seleção de recursos, as medidas processuais de economia processual e a produção laboral dos juízes, que em média é alta.

Ocorre, porém, que, segundo alguns analistas, para uma melhoria real da operacionalidade do judiciário seria necessário um enxugamento maior da legislação processual; a reformulação do sistema recursal, com redução do excesso de recursos e mesmo a supressão de uma instância. Não houve, efetivamente, até aqui, uma mudança mais radical nas regras do processo para cortar, de vez, a pletora de recursos que ajuda a abarrotar o Judiciário.

Como pano de fundo de todos esses problemas, que afetam não só o Judiciário, mas a vida dos cidadãos e da nação como um todo, existe um traço cultural, um fechamento para compreensão do fenômeno como o Deus ex machina do teatro grego, que diz respeito às tendências intrinsecamente burocráticas de nosso Judiciário, calcada essa burocracia em parte nas providências para aumentar a segurança da tramitação dos processos, sujeitos a serem furtados dos cartórios, por exemplo, e a outras chicanas forenses, não se diferenciando essas traves de segurança da burocracia de praxe da maioria dos serviços públicos do país.

Revista Consultor Jurídico, 17 de abril de 2008

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