sexta-feira, 4 de abril de 2008

Pobres e ricos divergem sobre políticas ideais de combate ao crime. Especialistas apontam soluções

RIO - Quando o assunto é insegurança pública, a insatisfação predomina, mostrou pesquisa CNI/Ibope divulgada semana passada. Por outro lado, a mesma pesquisa mostrou também que, quando as soluções para o problema são questionadas, ricos e pobres divergem. De acordo com o levantamento, pessoas com maior poder aquisitivo querem mais investimento em ações sociais (52% dos entrevistados), enquanto os mais pobres defendem a repressão (39%). Para especialistas, os resultados refletem a carência de políticas de segurança e a realidade social do país. Eles explicam que os ricos estão mais distantes dos centros de violência e têm maior grau de escolaridade, o que os leva a defender medidas preventivas. Já os pobres, principais vítimas do problema, têm pressa, e por isso defendem medidas emergenciais.

Entre os entrevistados, 22% consideram ruim a segurança no país e 31% a consideram péssima. Entre os que recebem acima de dez salários mínimos, as ações repressivas foram citadas por apenas 17% dos entrevistados, e 30% apontaram a união das duas soluções. Já entre aqueles que têm renda de até um salário mínimo, 37% querem ações sociais e 21% defendem o uso das duas medidas. Na média de todas as rendas, a pesquisa indicou as ações sociais em primeiro lugar (43%), as repressivas em segundo (32%) e a utilização das duas em seguida (24%).

Apesar de ser a alternativa menos votada, prevenção aliada à repressão é o que defendem especialistas entrevistados pelo GLOBO ONLINE. A solução, no entanto, não é mágica, de acordo com o secretário nacional de segurança pública interino, Ricardo Balestreri.

" O calo de quem é mais pobre dói mais. Por isso, eles querem uma solução milagrosa, o emocional fala mais alto "

- O calo de quem é mais pobre dói mais. Por isso, eles querem uma solução milagrosa, o emocional fala mais alto. De forma geral, o senso comum leva as pessoas a pensarem que repressão funciona. Esse pensamento é compreensível devido ao sentimento de insegurança da população, que faz com que as pessoas busquem respostas simplistas. Agora, se força e truculência funcionassem, estaríamos vivendo em um paraíso. Em nenhum lugar do mundo isso funciona. Tem que ter inteligência, organização estratégica, mecanismos de prevenção. O resto é só espetacularização da segurança - afirma Balestreri.

Geraldo Tadeu Monteiro, presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais (IBPS), concorda com o secretário de segurança:

- As pessoas são vítimas desse falso dilema. A violência é um problema policial e social, é equivocado pensar em uma coisa ou outra.

" A violência é um problema policial e social, é equivocado pensar em uma coisa ou outra "

Na mesma linha de raciocínio, Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC), afirma que a pesquisa comprova que nos locais onde as populações estão mais expostas à criminalidade, e onde as políticas de estado são mais ausentes, as pessoas querem policiamento. Para Silvia, o resultado acaba com o mito de que as pessoas mais pobres não gostam da polícia. Ela ressalta, no entanto, que eles desejam outro tipo de repressão, diferente do que é feito hoje.

- Há um deserto de policiamento nessas áreas, essas pessoas estão em risco. É um engano pensar que os pobres não gostam da polícia. Agora, eles querem uma polícia de boa qualidade, não é essa que está aí. Eles não querem o policial que chuta a porta das casas. As pessoas que estão nas mãos de criminosos despóticos, bárbaros, querem alguém que realmente puna os bandidos e proteja as pessoas de bem. E esse é o desafio - diz a especialista.

" Eles querem uma polícia de boa qualidade, não é essa que está aí. Eles não querem o policial que chuta a porta das casas "

Entrevistados confiam nas Forças Armadas e na Polícia Federal

A pesquisa CNI/Ibope quis saber ainda em quais instituições as pessoas confiam para combater a violência. As Forças Armadas foram apontadas como a entidade mais confiável para enfrentar o problema, sendo que 74% confiam nelas. A população lembrou ainda da Polícia Federal (70% de confiança), do governo federal (59%) e da Justiça (58%). Apenas 48% confiam na Polícia Militar no combate à criminalidade, tendo um Congresso Nacional uma situação ainda pior: 36% de confiança.

- É impressionante como as pessoas avaliam melhor o que está mais longe da sua realidade. A PM e a Guarda Municipal, que estão mais próximas, normalmente são mal avaliadas. É curioso, porque eles não sabem bem como a PF, ou as Forças Armadas atuam - afirma a especialista, que reprova a utilização do exército nas ruas.

Na opinião de Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), essa avaliação é reflexo da corrupção nas instituições, da desvalorização profissional dos policiais militares, entre outros problemas. Misse também é contra a utilização das Forças Armadas no combate ao crime.

- Essa é uma visão de leigo. O trabalho da polícia é prender e levar a julgamento. As Forças Armadas são treinadas para a guerra. Elas estão preservadas do problema, enquanto a PM está no meio do fogo cruzado. A PF é outro caso. Ela trabalha com crimes mais complexos, suas ações têm destaque na mídia. O salário é bom, o sistema de inteligência é eficiente. Isso faz com que a PF seja mais valorizada. Não conheço nenhum policial federal que faça bico, como os PMs.
Apesar de problemas, especialistas apontam melhorias

Entre os especialistas, há consenso sobre a ausência de políticas públicas de segurança nos últimos anos. Eles atribuem os resultados da pesquisa a essa carência de investimento. Por outro lado, quando questionados sobre o futuro, eles ressaltam que, pela primeira vez, o tema é discutido e o governo começa a pensar em medidas eficazes.

- Acho que a grande verdade é que as pessoas estão percebendo que há muito tempo o Brasil carece de política de segurança. O Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) é o primeiro programa nacional, que supera essa dicotomia prevenção/repressão. Ele combina as ações. Não é investimento só em bala e colete, mas também em educação - ressalta Silvia.

De acordo com Misse, apenas nos últimos 20 anos o assunto começou a receber mais atenção por parte dos governos estaduais e federal. Os avanços, no entanto, ainda são pequenos, afirma o especialista.

- Os governos estão investindo, mas os resultados ainda são pequenos. Começa a haver mobilização de recursos, mas as políticas ainda não estão bem delineadas. Há políticas como o Pronasci, a Força Nacional de Segurança. Mas o grande desafio ainda é a articulação das polícias dentro de um sistema único que possa combater o crime de forma eficaz - diz Misse.


Fonte: O Globo Online, 04/04/2008.

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