domingo, 27 de abril de 2008

País da impunidade - Tolerância máxima

Não basta cometer um crime violento, ser julgado e condenado para acabar atrás das grades no Brasil. Brechas e benefícios da legislação penal, somados a mudanças recentes que vêm afrouxando o rigor do arsenal jurídico contra os criminosos, preocupam juízes e promotores e reforçam a sensação de impunidade entre a população.

Casos como o do jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, que há oito anos consegue escapar da cadeia mesmo depois de confessar ter matado a ex-namorada com dois tiros pelas costas, são explicados por problemas antigos e novas tendências na aplicação da lei no país. Nos últimos anos, sucessivas decisões vêm abrandando a legislação criminal: réus condenados por crimes violentos contam cada vez mais com a prerrogativa de aguardar em liberdade enquanto recorrem da decisão, autores de crimes hediondos ganharam a possibilidade de trocar o regime fechado pelo semi-aberto e a obrigatoriedade do exame criminológico para a progressão de regime prisional foi derrubada.

A combinação disso com a morosidade da Justiça brasileira e as dificuldades de investigação policial completa um cenário cada vez mais propício à impunidade. Estima-se que, no Brasil, menos de 10% dos homicídios sejam esclarecidos e, nos casos em que o autor é descoberto pela polícia, a sentença demore até uma década para ser efetivada, em média.

Até alguns anos, com base no Código de Processo Penal, o réu condenado em primeira instância deveria se recolher à prisão para ter direito à apelação. Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que isso contraria o preceito da Constituição de 1988 de que todo réu é presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença - a decisão irrecorrível.

- Isso começou a mudar há uns três, quatro anos. Hoje, a tendência é ficar preso enquanto recorre somente quem se enquadra nos mesmos critérios da prisão preventiva: é considerado uma ameaça à sociedade ou ao andamento do processo, ou apresenta risco de fuga - afirma o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado Danúbio Edon Franco.

Por meio da assessoria de comunicação, o STF informa que a mudança de posicionamento se deve ao fato de que a prisão anterior ao trânsito em julgado contraria o princípio da presunção de inocência. Assim, se não for enquadrado na categoria de alta periculosidade, o criminoso tem boa chance de ficar livre durante anos até a última batida do martelo. Enquanto isso, pode apresentar mais de 10 modalidades diferentes de recursos nas quatro instâncias do Judiciário - algumas delas, mais de uma vez.

- Acho que nós, magistrados, algumas vezes precisamos dizer "chega" e barrar novos recursos. Às vezes, entra um recurso contra a decisão sobre outro recurso, o que a nossa lei não prevê, mas não proíbe - avalia Franco.

OAB defende direito à ampla defesa

O presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) Claudio Lamachia, condena uma eventual possibilidade de restrição às apelações:

- Isso está previsto constitucionalmente como direito à ampla defesa. O que se necessita para dar maior efetividade aos processos é de investimento no Judiciário - argumenta.

Mesmo quando sai a condenação definitiva, a lei penal brasileira se mostra pródiga com o criminoso. Um dos exemplos é a possibilidade de cumprir apenas um sexto da sentença em regime fechado antes de ser beneficiado pela progressão para o semi-aberto, o que permite saídas durante o dia sob o pretexto - nem sempre verdadeiro - de estudar ou trabalhar.

- O prazo para progressão de regime é muito curto. E, se a pena ficar entre quatro e oito anos, o regime inicial pode ser já o semi-aberto. Além de mudar isso, deveriam ser aumentadas as penas para crimes cometidos com violência ou grave ameaça - analisa o procurador de Justiça Ivan Melgaré, do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público Estadual.

Esse benefício foi facilitado em 2003, quando caiu a obrigatoriedade do exame criminológico para permitir a progressão de regime. Essa avaliação, que procurava medir o grau de periculosidade do candidato ao abrandamento da pena antes de autorizá-lo, agora depende de uma solicitação expressa e justificada de um juiz - o que não vem ocorrendo seguidamente.

- O problema da nossa lei é a velocidade dessa progressão. Cumprir apenas um sexto da sentença é muito pouco - critica o promotor de Justiça Gilmar Bortolotto, da Promotoria de Controle e Execução Criminal.

MARCELO GONZATTO


Zero Hora, 27/04/2008.

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