sexta-feira, 4 de abril de 2008

O paradoxo da Lei Maria da Penha

O caso de agressão à Sra. Maria da Penha pelo seu ex-marido deve ser repudiado, mas o advento da lei 11340/06 acabou por trazer perplexidades e até mesmo dificultar o combate à violência doméstica.

Em primeiro lugar é preciso reconhecer que em geral as mulheres sofrem mais violência física em seus lares do que os homens. Mas pesquisas também comprovam que as mulheres agridem mais verbalmente. É claro que uma agressão não justifica a outra. Entretanto, a lei ora fala em tratamento e ao mesmo tempo busca agravar com prisões, o que é paradoxal.

Nesse sentido, estamos fatiando o Direito e a família em lei do Idoso, da criança, da mulher, da juventude e ao final não se sabe quem irá atuar e qual lei a aplicar como no caso de uma adolescente agredir a sua avó em casa. Seria o ECA ? Seria o Estatuto do Idoso ? Seria a Lei Maria da Penha ? E o processo fica perambulando por Delegacias, Promotorias e Varas sem encontrar um resultado efetivo e correndo o risco de ser anulado.

Questões familiares deveriam ser resolvidas com outra abordagem, inclusive com a participação efetiva de psicólogos e assistentes sociais, bem como agentes comunitários de justiça para acompanhamento dos casos. No entanto, o meio jurídico não vê com bons esse trabalho multidisciplinar, logo prefere criar Varas e mais Varas com plaquinhas de “Varas especializadas” , mas nem mesmo cursos especializados têm os profissionais que atuam nas mesmas.

Em determinado Juizado Criminal foi constatado que 80% dos casos eram brigas entre familiares ou vizinhos, logo uma atuação com o apoio de psicólogos e assistentes sociais em conjunto com agentes comunitários seria o ideal. No entanto, as Instituições jurídicas alegam que não têm verba para isso, mas apenas para se criar mais Varas e Promotorias. Ou seja, reserva de mercado e verbas públicas.

Vejamos a incoerência da lei, a qual prevê a pena máxima doze vezes superior à mínima. Ou seja, de três meses a três anos com o intuito de retirar a competência do Juizado Especial, pois não deseja pena alternativa. Ora, mas como ao final propõe tratamento ? E o pior, cria Varas de Defesa da Mulher apenas para crimes decorrentes de relação sentimental. Mas, e se a agressora for uma filha ou neto ?

Essas Varas “criminais” têm competência cível e criminal, sendo que na prática usam uma vara criminal ( que lida com bandidos ) para resolver questões familiares e cíveis, pois isso é o que tem acontecido. Mas e se o Juiz ou o Promotor forem homens ? Como é que ficaria essa questão em julgamento de implícita natureza sexista.

A lei fala apenas em crimes, logo excluídas as contravenções. Porém, alguns querem dar interpretação extensiva de forma prejudicial ao réu, o que é um absurdo, pois os princípios sempre garantiram a liberdade do acusado. Mas, faremos Inquérito até mesmo para contravenções ? Isso aumentaria enormemente a burocracia e sem eficácia investigativa.

E se não cabe transação penal, caberia suspensão do processo ? Entendo cabível a suspensão, afinal o art. 89 não é especifico ou exclusivo do Juizado Especial, apenas foi colocado na lei 9099/95, por questão de oportunidade legislativa.

Ademais, como se trata de crime doloso cometido com violência contra a pessoa física não cabe pena alternativa, mas cabe suspensão da pena. Ou seja, conclui-se o processo e suspende a pena, o que é muito pior do que a transação penal.

E para piorar, a pena inferior a um ano prescreve em dois anos, e conhecendo a prática judicial todos sabemos que a tendência é condenação próxima ao mínimo legal, logo a possibilidade de prescrição é grande.

E se eventualmente condenado, e não obter sursis da pena, terá que iniciar a pena privativa de liberdade. Ora, e o tratamento ?

Em razão de um caso comovente estamos transformando meras ameaças e discussões em casos de terrorismo jurídico e legal. E em razão da grande quantidade de casos menores, os realmente graves acabam perdendo a possibilidade de serem atendidos.

As próprias vítimas não querem, em geral, a prisão dos seus companheiros, mas que o Delegado, Promotor ou o Juiz dêm um sermão. E assim, ficam nas portas destes órgãos implorando por liberdade dos seus agressores.

A lei atual não protege o homem, o que é de duvidosa constitucionalidade . Aliás, não protege nem mesmo a família, nem busca uma terapia para solucionar o problema, o qual muitas vezes pode decorrer do alcoolismo ou problemas psicológicos. Nem mesmo refere-se ao SUS ou Municípios como eventuais parceiros, sendo que menos de dois mil municípios são sede de Comarca.


Diante disso, o ideal seria que:

1) a Lei estipulasse que TODOS os Municípios deveriam contar com juntas de mediação e conciliação familiar com assistentes sociais, advogados e psicólogos, além de agentes comunitários de justiça e que acompanhariam esses casos de desajuste familiar

2) As lesões leves e contravenções continuariam no Juizado Especial, enquanto as lesões média e grave iriam para a Vara Criminal com possibilidade de prisão. Sendo que se a vítima ficasse internada mais de 24 horas já qualificaria o crime como de lesão média (inovação legal).

3) As transações penais seriam de tratamento ou prestação de serviço, sendo vedada a de multa, prestação pecuniária ou cesta básica. Não há necessidade de proibir a transação, basta proibir algumas modalidades.

4) Estabelecer núcleos de Justiça Restaurativa em todas as cidades do país para atender em casos de violência doméstica.


André Luís Alves de Melo
www.direitomoderno. com

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog