domingo, 6 de abril de 2008

O medo da dependência alcoólica não assusta os jovens

O que mais interessa nos dois litros de refrigerante são as garrafas pet. São nelas que os jovens (meninos e meninas de 15 a 18 anos, invariavelmente) misturam os litros de bebidas destiladas. Pode ser cachaça da mais barata ou, quando a coleta de moedas entre eles permite, um litro de vodka - de qualquer procedência. Pronto, o “tubão” já pode passar de mão em mão, ou melhor, de boca em boca. Agora é só sair por aí, aprontando. Em qualquer lugar da cidade a cena se repete diariamente. Pode ser na mais distante vila ou nos bairros de classe média da capital.

Até na saída das escolas, tanto públicas quanto particulares, o “tubão” faz sucesso. E não importa se é de dia ou de noite. Longe de ser apenas uma estimativa, a constatação é de que os jovens começam a beber cada vez mais cedo. O principal motivo, segundo Dionísio Banaszewski, do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, que fez parte do Conselho Estadual Antidrogas (Conead), é a facilidade com que as pessoas têm acesso às bebidas alcoólicas. “O número de pontos de venda cresceu assustadoramente”, comprova. Além disso, com a complacência dos pais, eles são abastecidos igualmente em casa, nos bares e nas festas.

A estudante do ensino médio Camile, de 15 anos, diz não se lembrar direito, mas acha que tomou só dois porres este ano. “Não fiz nada de errado, só me arrependi por ter passado mal no dia seguinte”, comenta, salientando que está aprendendo a se controlar. Para muitos adolescentes, beber junto com a turma passou a ser o principal programa da semana. Thiago, de 17 anos, alega que começou a beber para acompanhar a turma, mas agora já está acostumado com a bebida. “Fico mais descontraído e corajoso”, se vangloria. Nas madrugadas, principalmente dos finais de semana, a turma de Camile e Thiago fica na rua “zuando”.

Perdem o controle

Banaszewski também constata que os jovens freqüentam as festas cada vez mais cedo e, que, na maioria delas, o consumo de bebidas para menores é totalmente liberado. No entender do especialista, devido a falta de maturidade a maioria dos jovens desconhece o que é beber com responsabilidade. “Por isso perdem o controle quando bebem”, ressalta. A violência provocada pelo descontrole dessas turmas, conforme levantamentos oficiais, é uma das principais responsáveis pela morte violenta de jovens entre 15 e 24 anos. Quando não são as brigas entre eles, os acidentes de trânsito provocados pelo abuso no álcool, inflacionam as estatísticas.

O fenômeno do aumento de alcoolismo entre jovens vem sendo acompanhado pelo há quase uma década com muita preocupação. Que o alcoolismo está se tornando cada vez mais alarmante não é novidade. “No entanto, é preciso tomar conhecimento de que a situação está ficando fora de controle”, enfatiza o psicólogo. Uma recente pesquisa mundial constatou que o número de mortos e de incapacitados devido ao consumo de álcool em todo o mundo equivale à soma dos óbitos causados por pressão alta e pelo fumo. Por isso, especialistas reconhecem que uma política sobre o uso do álcool não é mais uma questão nacional, mas sim de saúde pública mundial.

O alcoolismo é uma doença

Além dos problemas físicos e emocionais, o álcool está direta ou indiretamente ligado à maioria esmagadora das ocorrências policiais e dos registros hospitalares. Segundo o psiquiatra Fernando Sielski, especialista em dependência química, o álcool provoca alterações neurofisiológicas profundas nas pessoas. “Ele causa graves danos à memória, capacidade de abstração e a inteligência”, afirma.

Essas disfunções no sistema nervoso independem do tipo de bebida ingerida, sejam as mais fortes como a cachaça ou as mais, socialmente aceitas, como a cerveja. Outra conclusão do estudo foi que as maiores alterações eletrofisiológicas foram registradas na região do tálamo, considerada a porta de entrada do cérebro no que se refere à sensibilidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 1967, reconhece o alcoolismo como uma doença. Dentre as outras conseqüências do uso contínuo e em excesso da bebida, enumerados por Sielski, são a amnésia, neurites, hipertensão arterial, disfunções sexuais, diarréia e hepatite alcoólica, entre outros distúrbios.

Para a coordenadora do Conselho Estadual Antidrogas do Paraná, Sônia Alice Felde Maia se torna difícil perceber quando o consumo de álcool deixa de ser apenas um assunto pessoal, restrito ao usuário. No seu entender, uma das principais causas desse comportamento está ligada ao mau funcionamento da sociedade. “Propagandas ditando como ser, agir, se vestir e a falta de monitoramento dos pais na vida de seus filhos, podem ser consideradas ações contundentes para os jovens, que não tem maturidade para discernir sua postura diante dos fatos corriqueiros da vida”, teoriza.

Campanhas de conscientização

Para a coordenadora, a formação da maioria das crianças e jovens atuais está baseada no conceito da adição. Assim, quando vêem o pai ou mãe, tomar um comprimido para relaxar, um drinque para aliviar as tensões, vai ter como referência que seu bem-estar está diretamente associado a adicionar algo, como álcool, para obtenção do prazer.

Contudo, Sonia ressaltou que o resgate de valores familiares e atitudes simples, como “elogiar e dar afeto aos filhos, conversando sobre qualquer assunto, sem tom autoritário”, pode afastar a possibilidade da criança buscar futuramente na bebida alcoólica, sua sensação de prazer. Ela lembrou que a pressão social dos grupos de amigos, também é fator determinante para o uso do produto. “Incentivar os jovens a praticar esportes, estar envolvidos com atividades artísticas, de trabalho voluntário é uma maneira de orientá-los a adquirir hábitos saudáveis”, comenta, salientando que é fundamental que a sociedade, o estado e a família tenham consciência dos malefícios do uso abusivo do álcool.

Quanto mais cedo se começa a ingerir álcool, mais precocemente o organismo reagirá. No Brasil, as estimativas são de que o alcoolismo consome mais recursos do que todo o orçamento da Previdência Social. Além disso, mais da metade dos acidentes de trânsito no país estão relacionados ao consumo de álcool, também causa de 87% dos casos de agressão registrados nas delegacias da mulher. Dionísio Banaszewski ressalta que o adolescente não vai por conta própria atrás de informações sobre os malefícios das bebidas alcoólicas, por isso, além de medidas restritivas, uma das principais ações para tentar reverter essa situação é criar campanhas que conscientizem os jovens sobre os efeitos do álcool, iniciativa que vem mostrando bons resultados contra o uso do cigarro, por exemplo.

Os danos do álcool

No fígado: hepatite, cirrose

No pâncreas: pancreatite

No estômago: gastrite, úlcera

No sistema nervoso: lesões cerebrais, epilepsia, psicose e demência

Nos homens: atrofia nos testículos, redução no número de espermatozóides

Nas mulheres: um efeito semelhante nos ovários

Aprendendo no bar

> 65% dos estudantes de escolas particulares entre 15 e 18 anos tomam bebidas alcoólicas

> 9% bebem mais de 20 vezes por mês

> O primeiro gole acontece aos 10 anos, em média

> Na década passada, o contato inicial com o álcool era aos 14 anos

> 17 milhões de estudantes brasileiros do ensino fundamental e do médio bebem com freqüência


O Estado do Paraná, 06/04/2008.

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