segunda-feira, 14 de abril de 2008

Novos piratas usam tática do terror

Eles descobrem que pedir resgate é mais lucrativo que lançar reféns ao mar.

Eles já haviam trocado as espadas por fuzis AK-47 e os barcos a vela por lanchas rápidas. Agora, descobriram que pedir resgate por suas vítimas pode ser muito mais lucrativo do que lançá-las ao mar. A história do veleiro francês de luxo Le Ponant, cujos tripulantes passaram uma semana em poder de piratas na costa da Somália este mês, lançou luz sobre esse fenômeno que ainda hoje aterroriza os mares de diversos cantos do globo.

No ano passado, os ataques de piratas aumentaram 10% no mundo depois de três anos de queda consecutiva. No total, foram registrados 263 incidentes, mas especialistas alertam que o número pode ser bem maior, já que muitos donos de pequenos barcos não prestam queixa.

Os assaltos também estão se tornando mais violentos e, principalmente na costa africana, os piratas descobriram o filão do seqüestro. Nos últimos 10 anos, 3.200 pessoas foram feitas reféns em 10 regiões críticas pela intensa ação desses grupos. Mais de 150 morreram e 500 ficaram feridas.

Só na Somália, onde o problema é grave pela debilidade do Estado e das forças de segurança locais, em 2007 foram seqüestrados 11 navios, com 154 reféns. Os tripulantes do dinamarquês Danica White, capturado por piratas em águas internacionais, passaram quase três meses mãos dos piratas antes de ser libertados, em agosto.

Segundo a imprensa dinamarquesa, os piratas receberam pelo resgate US$ 1,5 milhão, embora a empresa H. Folmer & Co, dona do navio, não confirme a informação. "É claro que a indústria de transporte marítimo preferiria que esses casos não tivessem muita repercussão para manter os valores dos seguros baixos e a confiança dos clientes", disse ao Estado Graham Gerard Ong-Webb , pesquisador do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Internacional, na Grã-Bretanha, e capitão da reserva das Forças Armadas de Cingapura.

Nos últimos anos, um dos casos que deixaram todo o setor em alerta foi o do cruzeiro de luxo americano Seaborn Spirit. Imagine o pesadelo de embarcar para uma viagem "inesquecível" nas paradisíacas Ilhas Seychelles, no Oceano Índico, e acabar atacado por piratas munidos de fuzis e granadas. Foi exatamente o que aconteceu com os 150 passageiros do Seaborn Spirit há três anos.

Os americanos só não tiveram um fim de férias mais trágico porque os seguranças do navio conseguiram evitar o seqüestro usando uma arma pouco convencional. O Long Range Acoustic Device (LRAD), utilizado por um número crescente de embarcações, é uma espécie de canhão sônico e lança um feixe de ruído muito incômodo que pode até ensurdecer os agressores.

No caso do Le Ponant, atacado no Golfo de Áden quando navegava rumo ao Egito para buscar 64 turistas, a França estava se preparando para uma negociação longa, como a do Danica White. Ao mesmo tempo, enviou dois navios e cinco helicópteros para seguir o veleiro de perto e avaliar a possibilidade de um resgate militar. Na sexta-feira, os 30 tripulantes foram soltos após o pagamento de uma quantia não especificada. Pouco depois, uma ação militar conseguiu capturar 6 dos 12 piratas.

"Achávamos que a pirataria tinha desaparecido, mas ficou claro que ela está se tornando uma grande ameaça para a segurança internacional", afirmou Jean-David Levitte, assistente da presidência francesa para assuntos diplomáticos, ao revelar que seu país pretende levar o tema ao Conselho de Segurança da ONU.

BEM EQUIPADOS

Os piratas modernos têm pouco em comum com os aventureiros cruéis que entre os séculos 16 e 18 atacavam os galeões espanhóis em busca de ouro e prata no Caribe - a principal inspiração para um sem número de livros e filmes de Hollywood. Muitos utilizam armamento sofisticado, GPS, máscaras e lanchas rápidas para ir até as embarcações, que podem ser cercadas e obrigadas a parar sob a ameaça de um ataque ou invadidas durante a noite.

"Quando o navio está parado, os piratas sobem com a ajuda de cordas e ganchos, preferencialmente sem que a tripulação se dê conta", explica o velejador alemão Klaus Hympendahl, autor do livro Piratas a Bordo.

Ele diz que hoje existem basicamente dois tipos de piratas. Alguns, principalmente na Ásia, fazem parte de máfias especializadas em roubos de todo tipo de carga - de relógios até combustível. "Eles já sabem o que vão conseguir quando invadem um navio e contam com a colaboração de autoridades corruptas ", diz Hympendahl.

O segundo grupo é formado por pescadores pobres, que decidem roubar barcos, pois mal conseguem sustentar a família com o que ganham. "Eles não têm muita alternativa e são movidos mais pelo senso de oportunidade do que por um plano de ataque", explica o velejador.

Entre os lugares mais vulneráveis para a pirataria estão o Estreito de Malaca (entre a Indonésia, Malásia e Cingapura), a costa sul da China e Bangladesh, no Sudeste Asiático. Na África, o problema é cada vez maior principalmente na Somália e na Nigéria, onde os alvos são os navios que transportam petróleo. No Brasil ocorreram quatro ataques no ano passado: três no porto de Santos e um em Belém.

"Há uma discussão sobre se os grandes navios devem contratar segurança privada para se proteger e se a comunidade internacional poderia criar uma força para conter a pirataria em algumas regiões", afirma Matin Murphy, pesquisador do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Londres, e autor do livro Pirataria Contemporânea e Terrorismo Marítimo. "A verdade, porém, é que a única forma de combater os piratas é ter uma polícia eficiente e honesta que os capture no momento em que eles estão mais vulneráveis - quando estão em terra firme."

Os prejuízos com a pirataria chegam a US$ 16 bilhões anuais. A grande preocupação de muitos especialistas em segurança, porém, é que grupos terroristas passem a utilizar o know-how dos ladrões do mar para promover ataques em águas internacionais. Esse é um risco considerável na opinião de John Burnett, autor de Águas Perigosas: Piratas Modernos e Terror em Alto Mar. "Os terroristas podem se dar conta do que os piratas já perceberam faz tempo: que os grandes navios de carga e cruzeiro são vulneráveis", disse Burnett ao Estado.

Pelo mar circulam mais de 80% dos bens comercializados em todo o mundo e uma grande parcela dos 50 mil grandes navios em circulação não tem segurança pela burocracia que envolveria entrar em portos estrangeiros com pessoal armado.


Estadão, 14/04/2008.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog