quinta-feira, 17 de abril de 2008

A notícia da violência, por Maria Lucrécia Zavaschi*

A notícia da violência contra Isabella, que inunda os lares do país desde a semana passada, é um retrato do descontrole dos impulsos agressivos e da brutalidade. Por quê? O que explica tal comportamento? O que levaria um ser humano adulto, dotado de inteligência e força, a prevalecer-se de um pequeno ser desprotegido de sua própria espécie? E, talvez, de seu próprio sangue.

Embora nos cause um tremendo mal-estar, o que vivenciamos na última semana não nos é tão estranho. Com espantosa freqüência, a violência tem sido parte de nosso quotidiano. Os profissionais da saúde têm-se confrontado com esta realidade dolorosa diariamente. Ainda ficamos chocados diante das marcas físicas da violência, ao imaginar o processo de tortura por que passam os pequenos mártires da crueldade de adultos insanos. Quando o impacto é muito grande, chegamos a duvidar de nossa própria capacidade perceptiva. São tão devastadores os efeitos sobre o psiquismo dos indivíduos que sofreram o impacto da violência, que deixam cicatrizes perceptíveis sobre o sistema nervoso central com conseqüências perduráveis ao longo da vida.

É fundamental que se possa oferecer influências positivas e honestas ao longo da trajetória de crescimento de nossas crianças para que isso ajude a modelar a agressividade inata na direção do bem, da construção dos indivíduos, e não da destruição e sofrimento. Assim como os comprovados e devastadores efeitos sobre as vítimas do Holocausto não se ativeram aos familiares imediatos, mas se estenderam a seus netos e bisnetos, também a violência gratuita, isolada e insana se estende por gerações e contamina toda a sociedade.

Mas as influências positivas também contagiam. Assim, entendemos que no caso do bebê humano os pais representam a primeira manifestação do ambiente social sobre os genes que ele carrega. Entretanto, por inúmeras razões, muitos pais não são capazes de responder às necessidades vitais de seus filhos, ou porque são ausentes, ou vítimas do abuso de drogas, sobretudo de álcool, ou provêm de famílias que já lhes haviam imposto um ambiente hostil.

Todos os que querem uma sociedade menos agressiva têm compromisso moral de agir sobre a raiz da violência. Onde haja uma criança curiosa ou triste, ou um adolescente indignado, que haja um adulto íntegro para ouvi-lo e ajudá-lo. Só assim a sociedade poderá desmentir aquela afirmação de Freud de que a violência genocida e belicista mostrava que a única conquista da trajetória humana havia sido a de superar a etapa do canibalismo.

*Psicanalista da Sociedade Psicanalista de Porto Alegre


Zero Hora/ 17/04/2008.

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