sábado, 26 de abril de 2008

Judiciário defende mais direitos humanos do que parece

A posse do ministro Gilmar Mendes como presidente do Supremo Tribunal Federal fez respirar aliviado quem milita na área de Direitos Humanos. Gilmar Mendes é um juiz garantista e há esperança que ele imprima essa característica ao tribunal e contamine seus colegas com sua perseverança na aplicação dos direitos e garantias fundamentais.

O presidente do STF defende que o Judiciário tem contribuído para a humanização do Direito no Brasil, nos mais diversos campos. Inclusive contendo excessos do Executivo. De acordo com o ministro, o país só não chegou a um estado policialesco graças ao Judiciário, e não ao Executivo.

A fala do ministro pode ser entendida como uma resposta ao secretário especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vanucchi, que ao comentar decisão do Supremo Tribunal Federal afirmou que o Judiciário brasileiro e conservador e está atrasao em relação aos direitos humanos.

Entende-se por direitos humanos os direitos que são adquiridos pela pessoa quando ela nasce e que não são perdidos nunca mais. Esses direitos são considerados fundamentais porque, sem eles, a pessoa não é capaz de se desenvolver. O direito à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação estão entre os Direitos Humanos fundamentais.

O criminalista Arnaldo Malheiros Filho ensina: “Os direitos humanos são aqueles que a pessoa adquire quando nasce e não perde jamais”. Assim, o direito que um preso tem é o mesmo que o do cidadão que vive a vida honestamente. É nisso que se deve pensar toda vez que se diz que é o Poder Judiciário quem passa a sensação de impunidade. Ele acredita que Gilmar Mendes vai fazer com que a sociedade mude a máxima de que a polícia prende e juiz manda soltar. “Juiz manda prender e manda soltar e, se dá liberdade é porque a lei assim exige. O que juiz faz é aplicar a legislação”, observa.

Segundo Malheiros, o Judiciário age em respeito à lógica dos direitos humanos, por exemplo, quando manda o Estado fornecer medicamento ao cidadão que não tem condições de adquirí-lo. No momento em que o juiz determina o fornecimento de um remédio, o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação de políticas públicas, invadindo a competência do Poder Executivo. Não deixa de ser a defesa dos direitos humanos, entende o advogado.

Da mesma forma, quando a Justiça concede Habeas Corpus para o acusado do crime mais cruel, também preserva os direitos humanos — nesse caso, o direito fundamental da presunção de inocência. Ou quando manda o INSS pagar pensão para companheiro do mesmo sexo também reconhece o direito fundamental ao afeto e à livre expressão da sexualidade.

Outra forma de aplicar direitos humanos é quando o juiz de execução penal manda o Executivo consertar o sistema prisional, e para isso impede a entrada de novos presos nas cadeias e penitenciárias.

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, da Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça, em matéria de direitos humanos o Judiciário ainda não chegou ao estágio ideal, mas o que tem feito não pode ser desprezado. “Temos muito a evoluir para que todos os preceitos fundamentais sejam aplicados”, reconhece Noronha. Segundo o ministro, Gilmar Mendes vai dar mais coragem para a magistratura, principalmente no campo penal. “A velocidade que nos falta para agir com coragem será resolvida com o novo perfil do presidente do STF”, afirma.

Para o ministro aposentado Carlos Velloso, o único poder que respeita os direitos humanos no Brasil é o Judiciário. “Nossa Justiça funciona com especial desvelo nessa matéria”, afirma ele. “Reconheço na maioria dos juízes brasileiros atitudes progressistas”, diz. Para o ministro, a exceção são os juízes que autorizam quebras de sigilo telefônico, fiscal e bancário como o único meio de prova e não o último, de acordo com a Constituição Federal. “Esse tipo de comportamento é que tem comprometido a magistratura. Mas, ainda assim, temos cada vez mais juízes ocupando a lacuna deixada pelo Estado”, acredita.

Palavra da advocacia

Para a advocacia, ainda temos uma Justiça conservadora na aplicação dos direitos humanos, mas o que falta é uma atuação mais forte do Poder Executivo e Legislativo. O advogado Pierpaolo Bottini, secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça na gestão Marcio Thomaz Bastos, afirma que o que falta não é uma postura mais garantista dos juízes, mas sim legislação infraconstitucional sobre a matéria.

“Do ponto de vista jurídico, temos decisões emblemáticas como as que são proferidas pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Cezar Peluso e Marco Aurélio. O que não vemos é a atuação do Legislativo e Executivo”, defende.

Bottini afirma que o campo que mais avança é o Direito Penal. “A decisão que permitiu a progressão de regime para condenado por crime hediondo é o maior exemplo. As decisões que dão liberdade para acusados com prisão preventiva decretada também simbolizam que nosso Poder Judiciário caminha para consolidar os direitos fundamentais”, diz.

O advogado diz que já existe no Ministério da Justiça um ante-projeto de lei que cria o Código de Processo Coletivo. A norma vai criar instrumentos para a propositura de ações coletivas para defender os direitos humanos. Poderão ser ajuizadas, por exemplo, ações para defender os interesses indígenas, ou para preservar o meio-ambiente. “A norma vai racionalizar o trâmite e a execução desses processos garantindo mais eficácia e rapidez tanto na condução quanto na aplicação dos direitos e garantias fundamentais”, observa.

Estefânia Viveiros, presidente da OAB do Distrito Federal, entende o contrário. Segundo ela, a Justiça ainda é um órgão conservador, que tem se adaptado a um novo formato, mas que ainda pensa como um “velho juiz”. “Todos têm caminhado, mas a pequenos passos. Enquanto isso, a advocacia espera que essa área tão sensível do Direito tenha a atenção que merece”, finaliza.

Gilmar Mendes tomou posse na presidência do Supremo Tribunal Federal na quarta-feira (23/4). A cerimônia contou com a participação de 3.600 convidados, integrantes da cúpula dos três poderes e representantes de todas as linhas de pensamento e de tendências políticas.

Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2008

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