domingo, 20 de abril de 2008

Jogatina atrai cada vez mais os jovens

Mesas de pôquer e apostas pela internet preocupam especialistas.

Tudo se resume a um movimento hábil e rápido dos dedos. Ali, quando o crupiê de colete preto distribui com maestria as cartas, está toda a essência dos jogos de azar - seja naquele cassino clandestino na zona sul de São Paulo, nas reuniões de sexta-feira entre amigos da faculdade ou mesmo na internet. É a sensação de simplesmente não ter controle dos próximos segundos, a adrenalina de poder ganhar milhões. Um sentimento difícil de explicar em um único parágrafo, mas que movimenta uma poderosa teia de glórias, ilusões, ruínas, diversão, fortunas e derrotas.

Enquanto a Prefeitura continua lutando para fechar bingos e apreender máquinas de caça-níqueis, a jogatina só floresce em São Paulo. Seja legal ou por debaixo dos panos. Pelo menos oito casas de pôquer funcionam todos os dias na região metropolitana, sem nenhum tipo de controle. A brincadeira está longe de envolver apenas feijões - apostas mínimas vão de R$ 5 até R$ 5 mil. Em uma dessas casas visitadas pelo Estado, em São Bernardo do Campo, dois jovens haviam acabado de perder R$ 6 mil em uma única jogada. Em outra, recém-inaugurada, que fica no segundo andar de um prédio ao lado do Parque do Ibirapuera, empresários posavam de jogadores profissionais e faziam malabarismos com as fichinhas de plástico. No oitavo andar de um edifício de classe média alta na zona sul da cidade, Rafael e Gabriel, dois publicitários de 27 e 29 anos, convidam seus colegas para jogar blackjack às sextas-feiras e apostar caixas de cerveja.

Cerca de 25 mil paulistanos viajam todo ano para fazer uma fezinha no Conrad Punta del Este Resort & Casino, no Uruguai. Até 2005, as arquibancadas do Jockey Club de São Paulo atraíam pouco mais de 2 mil pessoas entre sábado e segunda, quando ocorrem os páreos. No ano passado, no entanto, esse número saltou para 5 mil freqüentadores, sendo que 90% dos novos visitantes eram mulheres ou jovens de até 30 anos. Todos em busca do mesmo sentimento.

MODISMO

''A maior hipocrisia no Brasil é dizer que o jogo é proibido'', diz o psiquiatra Hermano Tavares, do Hospital das Clínicas. Em 1998, o médico criou o Ambulatório do Jogo Patológico (Amjo), que, só no ano passado, fez 3 mil atendimentos. ''O crescimento do jogo é cada vez maior, nas mais diferentes classes. A oportunidade de ganhar uma bolada fácil, a excitação do risco, esse é o canto da sereia. O que nos preocupa atualmente é o modismo. Temos visto que o perfil de jogador que mais cresce é o de jovens entre 17 e 22 anos, o cara que está na faculdade e está testando a vida adulta.''

A porta de entrada para esse fenômeno tem sido a internet. Só em português, é possível encontrar 25 cassinos virtuais diferentes - em inglês, são centenas. Dura apenas três minutos para se cadastrar em um deles, que são sitiados na Europa e usam cartão de crédito internacional para as transações; os créditos e débitos são enviados à fatura. ''Jogo pôquer na net uma vez por semana, mas não acho que seja ilegal'', diz o estudante Vinicius Barreto, de 22 anos, criador da comunidade no Orkut ''PokerNight''. ''É um jogo de habilidade. Se você for bom, tem mais chances. Nunca aposto muito, é por diversão.''

APOSTAS NO FUTEBOL

Por diversão, centenas de jovens têm se cadastrado semanalmente no site de apostas SportingBet, uma megaempresa inglesa que atua em 27 países. O site tem apostas que vão de Campeonato Paulista e Libertadores da América até campeonato romeno, Fórmula 1 e torneios de golfe. Também é possível apostar em quem vai ganhar a eleição americana (vitória de Hillary Clinton paga R$ 7 por real apostado, enquanto a de John McCain rende R$ 2,30). É ainda mais fácil do que o pôquer, mais lucrativo e, claro, viciante.

Já são 41.800 inscritos no SportingBet, em seis meses de funcionamento. Há uma telefonista de plantão para tirar dúvidas e não é preciso fazer depósito - na inscrição, que demora menos de um minuto, o internauta ganha de lambuja R$ 6 para apostar. Na terça-feira, a reportagem começou com esse valor inicial, mais R$ 20 depositados com cartão de crédito internacional. Quarta-feira à noite, depois de apostas malfeitas em jogos da Copa do Brasil, havia apenas R$ 15 de crédito. Azarões na Libertadores da América fizeram esse valor cair pela metade na quinta-feira. No entanto, uma aposta certeira no Chelsea, da Inglaterra, deu um novo ânimo. Se o Palmeiras ganhar do São Paulo nesta tarde, será possível ter 20% de lucro. Dá-lhe, Palmeiras!

''Vicia mesmo, mas é por diversão'', diz o gerente comercial Rodrigo Moreno, de 27 anos, que começou a apostar no site em novembro. Começou também com R$ 20. Perdeu um pouco nos primeiros dias. Em um mês, fez o saque de R$ 186 que havia ganho. ''Eu sou completamente viciado em futebol; então, apostar nos jogos para mim é um complemento. É quase uma brincadeira, não faço disso um negócio. É como jogar videogame.''


Estadão, 20/04/2008.

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