sábado, 5 de abril de 2008

Ideli destaca importância de subcomissão como espaço institucionalizado em defesa dos direitos das mulheres

Para a presidente da Subcomissão Permanente em Defesa da Mulher, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), a criação de um espaço permanente na estrutura do Senado vem em momento extremamente favorável à discussão e ao aprofundamento das questões de interesse da mulher. Pela primeira vez, destaca a senadora, existe uma estrutura institucionalizada no âmbito federal, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que se articula com governos estaduais, municipais, ministérios e organizações da sociedade civil.

A subcomissão inicia os seus trabalhos com um ciclo de debates, de onde poderão sair novas propostas, além de avaliar as que já tramitam. Na sua segunda audiência pública, nesta quarta-feira (9), discutirá temas polêmicos relacionados à violência contra a mulher, da qual deverão participar representantes da sociedade civil, do governo e do Judiciário. Na entrevista, a senadora explica a importância da subcomissão.

O papel da Subcomissão em Defesa da Mulher será o de articular sociedade civil, governo e Parlamento?

Em primeiro lugar, ela significa demarcação de território, o que é fundamental. O Senado já completou 180 anos. É uma instituição quase bicentenária. No entanto, nós só temos presença feminina a partir de 1979. Foi quando pela primeira vez uma suplente, nem sequer foi uma senadora eleita, assumiu vaga no Senado. Foi a professora Eunice Michilles, do Amazonas. Portanto, apesar de termos uma instituição com mais de 180 anos, a presença feminina tem menos de 30. E as questões específicas das mulheres só passaram a compor pauta do Congresso há duas décadas. Foi quando o movimento chamado "do batom" trouxe matérias importantes, relacionadas às políticas públicas para as mulheres, seja no tocante ao combate à violência, com a instituição das delegacias especializadas e os centros de apoio às mulheres vítimas de violência, seja nas questões relativas à aposentadoria e à licença-maternidade para as agricultoras. Essa discussão acabou desembocando na questão de cotas para as candidaturas femininas nas listas partidárias. Na Constituinte, as mulheres tiveram papel importante porque conseguiram dar corpo a um dos capítulos da Constituição. Assim, ter uma subcomissão permanente estabelece espaço na estrutura do Senado, para que os assuntos possam ser encaminhados, potencializados.

Hoje ela está vinculada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. O plano é transformá-la em comissão permanente?

Ainda é cedo para falar sobre isso. Precisamos fazer com que essa subcomissão funcione adequadamente, que ela dê resultado e mostre serviço. E isso ela tem condições de fazer. Nós temos hoje 12% de mulheres no Senado. É um percentual superior ao da Câmara, o que nos dá uma responsabilidade maior.

O que mudou para criar esse cenário favorável aos projetos de interesse das mulheres, que, aliás, compõem a maioria do eleitorado brasileiro (51,7%)?

A subcomissão vem em um momento em que já há estrutura institucionalizada no governo federal, com articulação com os governos estaduais e municipais, com pactos sendo estabelecidos para as políticas públicas para as mulheres, como, por exemplo, o enfrentamento da violência e da redução da mortalidade materno-infantil. No governo Lula, se criou a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que atua na transversalidade. Ou seja, atua acionando todos os ministérios que tenham políticas e programas com incidência na melhoria das condições de vida das mulheres. Esse é um momento totalmente novo. Nós nunca tivemos no Brasil, dentro da estrutura governamental, um local onde pudéssemos articular, nos referenciar e reivindicar. Apesar de termos um movimento de mulheres forte no Brasil, nós nunca tínhamos realizado conferências nacionais. Com a secretaria especial, já realizamos duas, com conferências estaduais, municipais e regionais, envolvendo milhares de mulheres em todo o país, com suas representações.

Nestas eleições municipais, as mulheres conseguirão maior representatividade, fazendo com que a lei de cotas seja observada pelos partidos?

Entre as questões que ficaram claras na primeira audiência da subcomissão, que tratou da ocupação de espaços de poder pelas mulheres, está a absoluta necessidade de avançarmos na legislação para aumentar o espaço político-partidário das mulheres. A composição da lista de candidatos com parcela obrigatória de mulheres não assegurou o cumprimento da lei. Não há nenhuma punição para o partido que descumpre essa exigência. Ou seja, na prática acaba sendo algo como uma concessão. Não há nenhuma garantia de ocupação do tempo partidário e da distribuição proporcional do fundo partidário. Precisamos avançar nessas questões. Há países, por exemplo, em que há não só as cotas de candidatura, mas também cotas na ocupação. Quando se debateu a questão da lista, não houve qualquer possibilidade de discussão da alternância entre homens e mulheres na sua composição.

Qual a medida punitiva que poderia ser aplicada aos partidos que descumprem as regras?

Temos legislações em vigor em outros países que punem os partidos que não efetivam a participação da mulher. Um dos trabalhos da subcomissão será fazer esse levantamento para subsidiar os debates sobre a melhor alternativa a ser adotada como proposta de mudança na atual legislação.

A próxima audiência da subcomissão, nesta quarta-feira, tratará do enfrentamento da violência contra a mulher. O que será discutido nessa reunião?

O Brasil continua sendo um dos países mais violentos contra as mulheres. Os dados continuam contundentes: 5,8 mil mulheres são espancadas diariamente no país. Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia, ligada ao governo holandês e à ONU, o Brasil é o país que mais sofre com a violência doméstica: 23% das brasileiras estão sujeitas a este tipo de violência. Portanto, a implantação e a eficácia da Lei Maria da Penha serão discutidas. Ela é uma lei que pegou e é defendida pela sociedade. Mas sua plena aplicação exige modificações estruturais na Justiça, com centros de atendimento e pessoal especializado, como psicólogos e assistentes sociais. Temos que pressionar, principalmente o Judiciário, para que a lei saia efetivamente do papel. Ainda há resistência de alguns juízes em aplicá-la e a subcomissão pode auxiliar nessa pressão.

A população carcerária feminina representa 3,17% do total de 422.590 presos no país, conforme dados do Ministério da Justiça de dezembro de 2007. Foi preciso encarcerar uma jovem em cela masculina na cadeia de Abaetetuba, no interior do Pará, onde foi sistematicamente estuprada, para chamar a atenção do país. Esse assunto também será debatido nessa audiência?

Essa pauta veio a público no ano passado. A situação das mulheres encarceradas e as suas condições de encarceramento precisam ser discutidas. Há projetos em tramitação na Casa. E o governo já está desenvolvendo com os estados um mutirão para prestar assistência jurídica às mulheres em situação de prisão, estimando que entre 8 e 9 mil presas em regime fechado possam ser beneficiadas com penas alternativas e liberdade condicional, ou mesmo acelerando o processo das que aguardam julgamento há meses. Há também planos de capacitação profissional das presidiárias, treinamento do pessoal que as atende e construção de presídios adequados às mulheres. Outro assunto que vamos discutir na audiência é o tráfico de mulheres, no qual, infelizmente, o nosso país se destaca internacionalmente. Há uma série de medidas que precisam ser adotadas na legislação e na fiscalização. Precisamos avaliar como se dá o acompanhamento e a repressão ao tráfico de mulheres, um negócio que rende anualmente U$ 32 bilhões em todo o mundo, segundo a Organização Internacional para as Migrações.

Como será a interlocução com a Câmara, que possui uma bancada expressiva e atuante de deputadas?

Realmente a chamada bancada do batom é muito ativa, apesar de não possuir um espaço institucionalizado como temos agora no Senado. Mas elas estão participando dos debates na subcomissão. No café da manhã que tivemos com o presidente Garibaldi Alves Filho, havia mais deputadas que senadoras, até porque nos superam em números absolutos, embora percam percentualmente. As diferenças ideológicas na Câmara são mais diluídas, o que une mais a bancada e facilita o seu trabalho na informalidade. Além disso, há pautas como nas áreas de trabalho e previdência que estão basicamente na Câmara, como a inclusão previdenciária das donas-de-casa prevista na PEC da Luci Choinacki [ex-deputada federal pelo PT-SC]. São propostas que temos condições de articular em conjunto. Haverá audiência da subcomissão para discutir as propostas nessas duas áreas.

No que se refere à agenda das mulheres no Legislativo, a pressão não é muito mais externa?

É verdade. As organizações de mulheres são atuantes e pressionam mesmo. Foi essa pressão, por exemplo, que ressuscitou a PEC da Luci. Mas há casos interessantes. Meu único projeto que virou lei na área de políticas públicas para mulheres é a que dá o direito, no Sistema Único de Saúde, às parturientes que quiserem ter acompanhante. Entrei com o projeto em 2003. No ano seguinte já estava na pauta do Plenário da Câmara. Só que não era votado. Na véspera do 8 de março [Dia da Mulher], em 2005, na época o presidente ainda era o Severino, fui aconselhada por deputadas a entrar em contato com a filha dele, então deputada estadual. Depois da nossa conversa, ela ligou para o pai na hora da sessão, argumentando que as mulheres do Brasil exigiam que ele colocasse o projeto na pauta de votação. Ele colocou na pauta, foi aprovado e virou lei.


Cíntia Sasse / Jornal do Senado

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