sexta-feira, 4 de abril de 2008

Governo aplicou só 5,3% do previsto em programa que atende jovens infratores





Apesar da proliferação de crimes praticados por jovens no Brasil, o programa federal que visa atender esse público, parece não estar entre as prioridades deste ano. De janeiro a agosto, o governo aplicou apenas R$ 1,3 milhão do total de R$ 24,5 milhões autorizados em orçamento para o Programa de Atendimento Socioeducativo do Adolescente em Conflito com a Lei. A parcela desembolsada até agora - a quatro meses do término do ano - corresponde a 5,3% do total previsto para 2007. O conjunto de ações, que carece de recursos, visa otimizar a estrutura dos locais previstos para abrigar jovens envolvidos com a criminalidade e prover medidas de reinserção na sociedade.

O programa é divido em duas ações. Apoio à Construção, Reforma e Ampliação de Unidades de Internação Restritiva e Provisória e Apoio a Serviços de Atendimento de Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas e Egressos. A primeira prevê a reforma ou ampliação das unidades de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, visando proporcionar o atendimento adequado a esses jovens. Já a segunda destina-se ao atendimento socioeducativo, que inclui aulas, cursos profissionalizantes, atendimento psicológico entre outros. O objetivo é preparar os jovens para a reintegração com a sociedade.

Os recursos destinados ao programa são oriundos do orçamento da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), vinculada à Presidência da República, e do Fundo Nacional para a Criança e Adolescente (FNCA), de onde provém a maior parte da verba, R$ 17 milhões. A parcela mais significativa do dinheiro destina-se à ação de apoio socioeducativo. O orçamento reserva R$ 19,8 milhões para a atividade este ano, mas até o dia 24 de agosto havia sido pago apenas R$ 1,2 milhão. Outros R$ 86,6 mil foram desembolsados para arcar com a construção e reforma das unidades de atendimento.

Nos últimos seis anos, o programa de atendimento socioeducativo do adolescente em conflito com a lei contou com R$ 111,1 milhões, efetivamente liberados pelo governo (veja tabela). De 2001 para cá, os valores pagos para arcar com a execução do programa sofreram quedas sucessivas. Em 2002, por exemplo, o governo aplicou R$ 47,7 milhões nas ações voltadas aos jovens infratores. Esse valor corresponde, por exemplo, a quase cinco vezes o valor pago pelo Programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no mesmo ano. Com a queda, no ano passado, apenas R$ 32,7 milhões foram autorizados em orçamento para o programa. Desses, no entanto, apenas 58,7% foram efetivamente aplicados.

Valorização da família e da comunidade

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a internação com privação de liberdade é aplicada apenas em casos de violência ou grave ameaça, em situações de reincidência ou quando não houver outra medida adequada. Entre as outras possibilidades de se reabilitar o jovem infrator, estão a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida. O artigo 100 do Estatuto diz que deverão em todos esses casos serem consideradas “as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”.

Diminuição da evasão escolar, oportunidades de emprego e resgate dos valores familiares são algumas das medidas que devem ser trabalhadas pelo programa. Entre as entidades que realizam projetos nesta área está a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). A instituição, que realiza um projeto de medidas socioeducativas de liberdade assistida para menores infratores, recebeu da SEDH, em maio deste ano, R$ 380 mil. O valor é referente à primeira parcela de um total de quatro que devem ser efetuadas até outubro deste ano, para custear as atividades.

Para a coordenadora nacional da Pastoral do Menor da CNBB, Neuza Mafra, o incentivo tem sido fundamental para manter em funcionamento as oficinas que são realizadas diariamente. “Nós temos conseguido aproximar esses jovens da sua comunidade e criar neles uma consciência de que o que eles fizeram não é correto. Desta forma, eles passam a se sentir acolhidos e muitos poucos voltam a cometer delitos”, comenta Neuza.

Entregues à “jaula dos leões”

O governo federal já demonstrou interesse em resolver a questão da superlotação nas unidades de atendimento aos jovens envolvidos com o crime. O Programa Nacional de Segurança e Cidadania (Pronasci), conhecido como PAC da Segurança, lançado no final de agosto, prevê a construção de 93 presídios para jovens de 18 a 24 anos até 2012. A idéia é que 37 mil novas vagas sejam criadas no período.

No entanto, a pesquisadora e mestre em Sociologia da Universidade de Brasília, Bruna Gatti, afirmou que apesar de considerar fundamental a descentralização dos núcleos de atendimento, acredita que o governo deve sempre pensar na proximidade dos adolescentes infratores ao seu local de origem. “Os pequenos centros mais próximos às cidades de origem são o ideal. Não só por facilitar que seja dado um atendimento de maior qualidade, quanto para que os familiares possam acompanhar mais de perto esse processo de preparação para a reinserção na sociedade”, explica a professora.

Em 2005, a pesquisadora publicou os resultados de uma pesquisa realizada por dois anos com internos do CAJE (Centro de Atendimento Juvenil Especializado) em Brasília. Na época, a reincidência da instituição analisada estava em 81%. Um dos questionários feitos pela professora indicaram que 41% dos internos consideravam que matar, morrer, usar drogas, roubar e ser preso novamente estavam entre as suas principais expectativas após saírem da internação. “O governo deve ter políticas de valorização da família e da prática de esportes, para tentar tirá-los das ruas. É nesse ambiente que eles encontram os traficantes e os bandidos que os aliciam para entrar para o crime”, comenta Bruna.

Apesar de considerar fundamental o atendimento sociopedagógico dado durante a internação, Bruna Gatti acredita que o principal a se pensar deve ser no antes e no depois: “Eles vêm de famílias desestruturadas, não freqüentam mais a escola, não conseguem emprego e a grande maioria mora em locais onde o nível de pobreza e violência é muito alto. Se não forem tomadas medidas preventivas, esses adolescentes saem da instituição e são jogados de novo na jaula dos leões, por isso a grande reincidência”, explica.

Simone Sabino
Do Contas Abertas

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