sábado, 19 de abril de 2008

Como um band-aid para curar um câncer

O que a polícia pode fazer para controlar a criminalidade? Na conferência que abriu o primeiro dia de trabalhos do II Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança, o especialista em justiça criminal e atividade policial, David Bayley, tentou responder a esta pergunta que mobiliza gestores, pesquisadores e operadores de segurança pública no Brasil e no mundo.



Do alto de uma experiência de mais de 40 anos estudando as atividades de polícias nos Estados Unidos, Índia, Japão, Austrália, Canadá e Inglaterra, Bayley resumiu em apenas uma frase como se pode avaliar a polícia. “Se você quer saber se a sua polícia é boa, pergunte aos pais da sua comunidade se eles orientam seus filhos a procurarem um policial quando tiverem problemas na rua. Se a resposta for sim, então a polícia é justa.”



De uma forma simples e direta, Bayley, que é diretor da Escola de Justiça Criminal da Universidade de Albany, em Nova York, explicou que ações como aumentar o efetivo policial e o patrulhamento feito por viaturas não têm efeitos sobre a prevenção dos crimes. Para controlar a criminalidade, afirma ele, a polícia deve ser inteligente e justa.



Inteligência e resultado

Mas o que é agir de forma inteligente? Ser inteligente, segundo o pesquisador, é saber se as estratégias utilizadas estão rendendo os resultados que a polícia quer e que a população espera. “A maioria das polícias do mundo não está preparada para identificar se as estratégias que está aplicando são melhores do que as alternativas existentes. Elas não têm capacidade de coletar o tipo de informação que vai revelar realmente se estão no caminho certo”, revela.



Para avaliar se a organização policial está agindo de forma inteligente, ele sugere um teste com seis perguntas – que ele chamou de “teste Bayley” – que demonstra se a polícia é capaz de avaliar se suas estratégias estão surtindo efeito, se fazem esse tipo de avaliação periodicamente e se buscam alternativas ao identificar falhas na estratégia. “Os gestores da polícia discutem freqüentemente diferentes abordagens para o controle da criminalidade? O que ocorre normalmente é que as organizações policiais ficam presas às estratégias usadas sempre e não conseguem pensar além daquilo”, avalia.



Uma das questões levantadas pelo especialista é se a polícia está conduzindo experiências de controle das estratégias de combate ao crime. “Ou seja, fazer coisas de formas diferentes em diferentes locais e verificar se essas alternativas são melhores do que o que fazem normalmente”, explica.



Ações em lugares, pessoas e problemas específicos



Para provar que aumentar o policiamento, estratégia utilizada pela maioria das organizações policiais no mundo, não contribui para a diminuição dos crimes, Bayley conta que analisou, junto com um grupo de pesquisadores, pesquisas sobre controle da criminalidade realizadas em todos os países de língua inglesa desde 1967.



A conclusão, afirma ele, é que intensificar o policiamento de forma geral – que ele batizou de “modelo policial padrão” - não traz resultados. “Isso prova que temos que ser mais inteligentes e buscar alternativas”, conclui.



E a solução está nos próprios trabalhos analisados. “Os estudos demonstraram que ter como alvo das ações policiais lugares e problemas específicos e utilizar mais do que o poder de prender é o que funciona. Ou seja, não generalizar as respostas ao crime, mas focalizar as ações em lugares, pessoas e problemas específicos”, explica.



População como parceira



Outra característica apontada pelo especialista como fundamental para o combate ao crime é a polícia agir com justiça. E isso vai depender, segundo Bayley, do apoio da população. “Sempre que a polícia tentar trabalhar sozinha, vai falhar. Ter a população como parceira é absolutamente crucial para qualquer polícia”, aconselha.



E isso, segundo ele, é ainda mais visível nas comunidades mais pobres. “Os locais onde a população está geração após geração distante da polícia são os locais onde há mais violência. Até que consigamos mudar esse quadro, a polícia vai continuar sendo apenas um band-aid para curar um câncer”, compara.



Bayley afirma, ainda, que a parceria da população é fundamental para a prevenção e elucidação de crimes. E que cabe à comunidade fornecer informações sobre o crime, identificar suspeitos, testemunhar em processos, tomar medidas de defesa pessoal e, principalmente, criar um clima favorável ao cumprimento da lei.



Para conquistar a confiança da população, no entanto, as ações da polícia têm que ser baseadas nos direitos humanos. “A polícia não pode infringir a lei nem violar os direitos humanos em nome do cumprimento da própria lei. É a violação dos direitos humanos que impede a polícia de ter o público ao seu lado”, afirma.



“Resumindo: seja inteligente, avalie constantemente suas ações. Abandone a idéia de que agir com justiça e com respeito aos direitos humanos diminui a eficácia da polícia. Agir com justiça pelo cumprimento da lei dá legitimidade à policia para agir.”



Comunidade Segura, 19/04/2008.

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