domingo, 27 de abril de 2008

Colômbia: recrutamento de crianças por grupos armados sai do campo para as cidades

RIO - Enquanto a Colômbia atrai esforços de todo o mundo para a libertação dos cerca de 10 mil reféns em posse de grupos ilegais, um movimento civil colombiano usará o Dia da Infância, celebrado neste fim de semana, para chamar a atenção da comunidade internacional e mobilizar o país contra o recrutamento de crianças e adolescentes para o conflito armado no país. Manifestações organizadas pela associação Colômbia Soy Yo vão tentar mostrar em todo o país esta outra face do conflito, que permanece escondida, especialmente nas áreas rurais do país.

- Este é um crime invisível. Nunca ninguém foi levado para cadeia por recrutar uma criança - diz a diretora da Fundação Maya Nasa , Natalia Springer, especialista em resolução de conflitos.

É do campo que sai a maioria das 40 mil crianças envolvidas nas guerrilhas, segundo dados da Fundação Maya Nasa - ONG colombiana que entrevistou mais de 400 guerrilheiros mirins desvinculados dos grupos armados para traçar um quadro geral do problema. Entretanto, um novo motivo de preocupação é a mudança do perfil dos recrutados, que vem passando do campo para as cidades, devido ao interesse dos grupos armados de se estabelecer em áreas urbanas.

- As Forças Armadas estão sendo muito efetivas no campo. Ao mudar o teatro de operações, os grupos armados estão eliminando a Marinha e a Força Aérea. E estão entrando nas cidades em setores pobres onde as pessoas se transformam em escudo humano porque eles se escondem nas cidades, onde é muito mais difícil de operar. O Exército tampouco pode entrar - avalia Natália.

Um dos grupos sociais mais vulneráveis nas cidades é o dos cerca de quatro milhões de deslocados pelo conflito armado, que há quatro décadas abala o país. De acordo com o Comitê Internacional Cruz Vermelha (CICV), 53% destes refugiados têm menos de 18 anos.

A Cruz Vermelha faz um trabalho de conscientização diretamente com os integrantes dos grupos armados, além de atender as vítimas da batalha entre governo, guerrilhas e organizações paramilitares. Mas depois de sete anos no país, o atual chefe de comunicação da delegação colombiana, Yve Heller, diz que é difícil medir o êxito das ações.

- Há mais segurança no país, o que é algo positivo. Mas é um conflito que continua produzindo conseqüências humanitárias - disse Heller, por telefone, de Bogotá.

Do total de crianças e adolescentes envolvidos, cerca de 14 mil trabalham como soldados das guerrilhas ou de organizações paramilitares. Os demais colaboram com transportes de minas e explosivos ou em serviços de logística, como entregadores de recado. Segundo Natália, por trás de cada combatente há um grupo de oito pessoas que o apóiam.

- Em caso de captura, por exemplo, estas crianças não podem ser usadas como testemunhas. Os grupos armados usam essas crianças por conveniência.Isso explica, em parte, o interesse por elas - diz a analista.

Segundo elas, embora algumas crianças tenham respondido a pesquisa afirmando que se envolveram com grupos armados por sua própria vontade, a maioria dos casos é, na verdade, de falta de opção. Além de estarem em regiões afetadas pelo conflito na Colômbia, muitas delas enfrentam a total falta de estrutura familiar. Em geral, a maioria (65%) termina se associando às guerrilhas entre 6 e 14 anos.

Consciente da responsabilidade da sociedade, o movimento Colômbia Soy Yo pretende lançar um alerta para toda a Colômbia.

- Queremos criar uma consciência de que os próximos podem ser os nossos filhos - disse por telefone, de Bogotá, Carlos Andrés Santiago, um dos fundadores do movimento. - Queremos chamar a atenção da comunidade internacional e expressar a rejeição da sociedade colombiana ao recrutamento de crianças e adolescentes pelos grupos armados ilegais.

Os organizadores são os mesmos que em fevereiro deste ano promoveram um marcha contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em diversos países, inclusive no Brasil. Desta vez, em lugar das marchas, os atos vão acontecer ao final das chamadas Caravanas da Alegria, comemorações organizadas por prefeituras em toda a Colômbia.

Além do envolvimento da sociedade, que "torna este crime visível", e da colaboração da comunidade internacional, que se volta em geral para o drama dos reféns, a especialista Natalia Springer destaca também a importância de uma ação interinstitucional, com a participação de todos os níveis do governo que tenham relação com o tema, para combater o recrutamento de crianças.

- A solução passa, logicamente, pelo fim do conflito armado, mas depende de uma polótica integrada - conclui a especialista. - Ainda que o conflito armado termine, o narcotráfico não termina, por exemplo.


O Globo Online, 27/04/2008.

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