quinta-feira, 24 de abril de 2008

Casal não deve escapar da acusação de homicídio doloso, dizem criminalistas

Se acusados e levados a júri popular pela morte de Isabella, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá poderão pegar no máximo 30 anos de prisão, pena máxima para o crime de homicídio, pelo qual já foram indiciados. A pena mínima é de 12 anos. Os resultados dos laudos da perícia e do IML, divulgados extra-oficialmente até agora, permitem que o Ministério Público acuse o casal pelo mesmo crime, de homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e emprego de meio cruel.

- Não importa quem fez o que. O produto final, a morte, é dos dois - diz o juiz aposentado Luiz Flávio Gomes.

A advogada criminalista Ivete Senise Ferreira, professora de direito penal da Universidade de São Paulo, acredita que não há outra alternativa para o casal. Ou Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá são indiciados pelo Ministério Público por homicídio doloso (com intenção de matar) ou saem isentos da culpa no caso de não se conseguir prova contra eles. Para ela, o homicídio culposo, sem intenção de matar, está descartado, já que não houve negligência ou imprudência do casal em relação à Isabella.

- Somente pela esganadura, sem intenção de matar, a pessoa poderia responder por lesão corporal. O outro poderia dizer que estava apenas tentando se livrar de um cadáver. Mas, nesse caso, estaria assumindo um risco, já que não se tinha notícia de que a vítima estava morta ou não. A tentativa de livramento de cadáver poderia existir se, por exemplo, a pessoa tivesse certeza que a vítima morreu há meia hora e que estava com uma faca no peito - disse Ivete.

Para o advogado criminalista Sérgio Salomão Shecaira, professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), se ficar comprovado que o pai de Isabella não tinha a intenção de matar, mas apenas se livrar do corpo da menina para proteger a madrasta, ele poderá responder por tentativa de ocultação de cadáver ou vilipêndio a cadáver. Ele disse, no entanto, que na prática esse argumento pode não ser aceito dada a repercussão do caso e as evidências de orquestração do crime.

Ele explicou que o promotor, assim que receber o inquérito da polícia, pode tomar três atitudes: pedir o arquivamento do fato, se achar que não é criminoso; pedir nova diligência e até mudar a acusação; e oferecer a denúncia de acordo com as provas produzidas pela polícia, "o que parece mais natural nesse caso". Depois que estiver com o processo em mãos, a expectativa é que o documento seja encaminhado em 2 ou 3 dias à Justiça.

- Me parece que já existem elementos para oferecer a denúncia por homicídio doloso - diz o criminalista.

A possibilidade de indiciar Nardoni e Anna Carolina por crimes diferentes, embora mais remota, não é descartada pelos criminalistas. Se Anna Carolina for acusada apenas de esganar a menina, poderia responder por tentativa de homicídio ou lesão corporal. Alexandre Nardoni responderia sozinho por homicídio, por ter supostamente jogado a menina pela janela e causado sua morte.

Já é certo que Isabella chegou ao chão com vida, após 20 metros de queda do sexto andar até o térreo do edifício London. Para os peritos, porém, também a asfixia por três minutos de esganadura seria suficiente para matá-la sem atendimento médico imediato.

Roberto Delmanto Junior, advogado criminalista, acredita que pode haver uma diferenciação entre a participação de um e de outro.

- Se ficar realmente comprovada essa hipótese ventilada pela polícia, de que o pai teria arremessado Isabella do sexto andar após a madrasta esganar a menina e que a garota morreu em decorrência da queda, a madrasta poderia até responder por lesão corporal grave, um crime mais leve, cuja pena varia de 2 a 8 anos - diz o criminalista.

A versão de a asfixia ter sido o fator determinante da morte, na avaliação de Delmanto Junior, abre possibilidade de haver uma desqualificação do crime pelo qual Alexandre Nardoni responderá se for formalmente acusado, que passaria de culposo para doloso, com base no artigo 20 do Código Penal, que trata do erro sobre elemento constitutivo. (Diz o artigo que 'é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima).

Cabe discutir se, depois de Isabella morta, seria legítimo ao pai jogá-la pela janela.

O juiz aposentado Luiz Flávio Gomes afirma que, se a menina já estivesse morta e Alexandre Nardoni tivesse ciência disso, não cometeu crime nenhum.

- Se o pai vendo a criança morta a jogou pela janela não cometeu crime. Jogar um cadáver no chão não é crime. Contra o morto não se pratica nenhum crime. Mas se a menina chegou ao chão ainda respirando, como disseram as testemunhas, jogar pela janela é um ato de homicídio tanto quanto esganar - afirma o juiz.

Ao contrário do que dizem os advogados de defesa do casal, Gomes afirma que a polícia está trabalhando bem e as provas são consistentes.

- Os laudos comprovam fatos muito importantes, que não teve terceira pessoa no apartamento, que a esganadura é compatível com as mãos da madrasta, os vestígios da rede na roupa do pai, a fralda usada para limpar o rosto da menina, o sangue no carro. Todas essas são provas indiciárias que já permitem a denúncia a ser feita pelo Ministério Público - diz ele.

Delmanto Junior argumenta que os laudos periciais ainda não foram divulgados e pede cautela.

- Me parece que pode estar havendo aí uma mudanças das conclusões periciais de acordo com as conseqüências jurídicas. É necessária muita cautela. Essas perícias serão submetidas a uma ampla discussão. Algumas interpretações, por exemplo, são absolutamente subjetivas, como a marca da esganadura no pescoço de Isabella - acredita.

O advogado Sergei Cobra Arbex pensa que o casal foi indiciado antes da hora.

- Não vou comentar hipóteses sem ter como base os laudos ou o inquérito. O casal foi indiciado desde o começo do inquérito. Foi um indiciamento precoce, inadequado desde o início da investigação.

Para o criminalista Alberto Zacharias Toron, que atuou como assistente de acusação da promotoria no julgamento de Suzane Von Richthofen e dos irmãos Cravinhos, o casal deve ser julgado por homicídio triplamente qualificado, com uso de meio cruel, torpe e impossibilidade de defesa da vítima.

- Se acaso a menina tivesse morrido antes de ter sido jogada, e for confirmado que o pai dela realmente a atirou do apartamento, ele não responderia por crime de homicídio. Mas peritos e testemunhas já confirmaram que a menina ainda estava com vida quando o resgate chegou - lembrou.


O Globo Online, 24/04/2008.

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