quinta-feira, 17 de abril de 2008

Carro: poder, virilidade e falta de educação, por Nelson Antonio Tombini*

Sabemos que existem regras para o trânsito, elas devem ser estendidas e aprendidas nas escolas. Serão os alunos futuros condutores de automóveis e é na infância e na adolescência que ocorre a maior aceitação dos ensinamentos e de condutas. O viver em sociedade assenta-se na premissa de que os indivíduos são cidadãos, sujeitos de direitos e deveres coletivos. A educação do povo é deficitária, com falta de respeito aos direitos do próximo.

Há uma pressão social grande sobre quem está no volante, ou seja, a sociedade espera que o condutor se comporte de maneira preestabelecida, o que acaba se refletindo no trânsito e o carro se transforma num referencial poderoso para a orientação do comportamento.

O carro representa para a sociedade a audácia, a coragem, o respeito, a conquista, o sucesso, o poder, o prestígio, a velocidade, a liberdade e a felicidade do condutor.

Porém, isso tudo tem um preço. Sabemos que as velocidades altas podem levar ao acidente e à morte, mas mais da metade dos acidentes de trânsito com mortes ocorre a velocidade igual ou inferior a 64 km/h.

Os acidentes fatais representam 65%, e 80% dos acidentes de trânsito em geral ocorrem num raio de 40 quilômetros do local de residência dos condutores. A lei da física nos esclarece que num acidente com condutor ou passageiro apresentando uma massa corporal (peso) de 70 quilos, em colisão contra um objeto sólido a 40 km/h, a força do impacto dessa massa sobre um obstáculo corresponde a 280 quilos. Estatísticas efetuadas pelas autoridades comprovam que mais de 95% dos acidentes de trânsito são ocasionados por imperícia, imprudência ou negligência do condutor.

Especialistas em segurança destacam dois fatores como principais causas de erro, que levam ao infortúnio nas estradas: desatenção, pelos mais variados motivos, e a falsa crença de que melhorias tecnológicas nos veículos previnem acidentes ou preservam os passageiros de conseqüências mais sérias.

O nosso trânsito é caótico, milhões de carros, caminhões e ônibus são conduzidos todos os dias, por bons e maus motoristas, por pessoas em todos os estados emocionais, por pessoas sonolentas, doentes e, às vezes, alcoolizadas e até mesmo drogadas.

A direção veicular exige habilitação, atenção, cuidados, saúde, respeito, tolerância e paciência. Precisamos preservar a nossa vida e a vida dos outros.

Analisar os acidentes no nosso país tomando-se como base somente as relações tradicionais, entre mortes, frota e população, não é um dado suficiente na busca por ações que levem ao conhecimento da trágica situação do Brasil. A eterna ausência de dados confiáveis sobre trânsito, além de contribuir para encobrir a gravidade da situação, impossibilita que técnicos e pesquisadores possam avançar na busca do entendimento das suas causas e efeitos. Enquanto os Estados reconhecem a sua irresponsabilidade e anunciam em placas nas estradas: curva perigosa à frente ou trecho com alto risco de acidentes, acostamento em desnível nos próximos cinco quilômetros, pista escorregadia.

Muito poderia ser feito pelo trânsito brasileiro se houvesse esforços, principalmente dos órgãos oficiais, na elaboração competente dos dados que levam aos acidentes. Enquanto não se obtiver sucesso nesta área, continuaremos colhendo insucessos e fracassos em nossas ruas e estradas.

*Médico especialista em medicina de tráfego


Zero Hora, 17/04/2008.

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