sexta-feira, 4 de abril de 2008

Brasil faz mais pelos mais pobres

Entre 1990 e 2005, extrema pobreza caiu mais rapidamente do que a pobreza, indica a análise de dois estudos sobre os Objetivos do Milênio.

DÉBORA YURI
da PrimaPagina

O Brasil está diminuindo a extrema pobreza em um ritmo quase duas vezes maior que a pobreza, como indica uma análise de dois relatórios que acompanham o desempenho do país nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM, uma série de metas socioeconômicas que as nações da ONU se comprometeram a atingir até 2015, abrangendo as áreas de renda, educação, saúde, gênero e meio ambiente). Quanto mais baixa a linha de pobreza adotada, melhor se sai o Brasil.

“O governo federal não focou seus esforços nos extremamente pobres, foi uma conseqüência de várias políticas. Os pobres também estão melhorando sua condição, mas num ritmo mais lento em relação aos primeiros”, diz Sergei Soares, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). “A meta do governo é acabar com a pobreza geral, mas os mais pobres têm mais urgência de ajuda.”

Soares foi um dos pesquisadores responsáveis pela análise da variação da pobreza no Brasil Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM 2007, do IPEA, lançado em agosto. O estudo, feito com apoio do PNUD, classifica como extremamente pobre quem vive diariamente com menos de 1 dólar PPP (paridade do poder de compra, que elimina a diferença de custo de vida entre os países), o mesmo critério usado pelo Banco Mundial. Entre 1990 e 2005, a proporção de brasileiros abaixo dessa linha (equivalente a R$ 40 em 2005) recuou 52%: de 8,8% para 4,2%.

Já a Coleção de Estudos Regionais sobre os ODM 2007, feita em conjunto por cinco universidades do país, também com apoio do PNUD, usa valores um pouco mais altos para classificar extrema pobreza: menos de um quarto do salário mínimo. Sob esse critério, o estudo, lançado na semana passada, conclui que a proporção de brasileiros nesse grupo caiu 44% entre 1990 e 2005: de 19,98% para 11,11%.

Esse relatório também avaliou a variação da proporção de pessoas que vivem com até meio salário mínimo. Nesse caso, a diminuição foi de 27% no mesmo período: de 42% para 30,7%.

Diferentes programas nacionais atingiram diferentes grupos da população, afirma Soares, do IPEA. Entre os extremamente pobres, o Bolsa Família foi fundamental; em relação aos pobres, o aumento do salário mínimo e a Previdência Social; para os que estão um pouco acima dessa linha, a expansão na educação – que permitiram acesso a escolas e universidades e a conseqüente inserção de jovens no mercado de trabalho.

Para o pesquisador do IPEA, o Brasil hoje redistribui renda de uma maneira quase linear. “É, de longe, a maneira mais virtuosa de distribuir renda, que vem sendo elogiada por vários países. Não estamos tirando do meio termo para melhorar a condição social dos mais pobres, estamos tirando dos mais ricos — embora estes estejam ganhando dinheiro também”, diz.

Márcio Salvato, pesquisador e coordenador do Instituto de Desenvolvimento Humano da PUC Minas, uma das universidades responsáveis pela Coleção de Estudos Regionais sobre os ODM 2007, enfatiza a expansão da economia. “O crescimento econômico do país foi importante, porque assim é possível redistribuir essa renda para os mais necessitados. Em programas do governo, como o Bolsa Família, o Bolsa Escola, o Vale Gás, você tributa uma parte da economia e transfere o dinheiro para quem é mais pobre”, aponta. “Mas é a classe média, e não os mais ricos, que está sendo atingida, pois vem sendo mais tributada”.

Salvato afirma que, na última década, a pobreza foi afetada mais pela transferência de renda do que pelo crescimento de renda. E defende políticas de longo prazo, que incluam a educação. “Apenas transferir renda, como o Bolsa Família faz, é uma medida de curto prazo, e ilusória. E se você tira esse benefício do cidadão? Ele volta à situação anterior”, avalia.

Para reduzir a pobreza tanto quanto a extrema pobreza, é necessário combinar crescimento econômico e políticas educacionais, sugere Salvato. “Senão, ocorre o que antes se via no Brasil: crescimento econômico, mas alta concentração de renda. Não vejo problema em focar primeiro nos extremamente pobres, ou indigentes, em quem está lá embaixo. A política correta é uma que consiga reduzir a pobreza e o hiato de pobreza [distância entre a linha de pobreza e a média da renda de quem está abaixo dessa linha].”

Nos últimos anos, quem mais ganhou foram os 10% mais pobres, concorda Sergei Soares. “Quanto mais baixa a média de renda do domicílio, mais esta família está aumentando seu ganho. Quanto mais baixa a linha, maior a quantidade de pessoas que saíram da situação de extrema pobreza”, resume.

Além do estrato da população que vive em condições de pobreza ou extrema pobreza, Márcio Salvato cita o que chama de “enorme contingente de brasileiros que vivem em situação de extrema miserabilidade, à margem da sociedade – eles estão abaixo dos que vivem em extrema pobreza”.

“Eles moram em pequenos municípios de zonas rurais, onde as prefeituras não têm verba, e também em zonas urbanas – são mendigos, moradores de rua, de favelas dominadas pelo tráfico, de prédios invadidos”, enumera. Como não têm moradia fixa nem acesso a informação, não conseguem se cadastrar num sistema para receber os benefícios do governo. “É necessário fazer uma política específica para isso, mais focalizada. Você tem de ir até eles, e não esperar que eles venham atrás dos benefícios”, diz o pesquisador da PUC Minas. Ele calcula que um quarto dos extremamente pobres vive em extrema miserabilidade, ou cerca de 2,5% dos brasileiros.

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