sexta-feira, 25 de abril de 2008

Artigo - Pesquisa inovadora ou reprise lombrosiana

Turim, 1876, Cesare Lombroso publica O Homem Delinqüente. A partir dos ventos cientificistas darwinianos da época, o médico italiano procura aplicar aos “pacientes” do sistema penal, métodos capazes de identificar características comuns e peculiares dos presos, buscando, assim, traçar e, por que não, desenhar o retrato do criminoso.

Um dos tópicos abordados por Lombroso é “a loucura moral e o delito entre as crianças”. Entre suas conclusões afirma Lombroso que “impedir a união tristemente fecunda dos alcoólatras e dos delinqüentes, que nós sabemos uma fonte tão grande de criminosos precoces, seria o único meio de fazer desaparecer o delinqüente nato, este infeliz que, segundo os fatos que relatamos, é absolutamente incurável”.

De tal posição, sugere: “e se, partindo daí, encontramos Roussel, Barzillai e Ferri para censurar as casas de correção, que infelizmente poderíamos chamar com justiça de oficinas de corrupção, acreditamos que haveria para o país uma imensa vantagem em fundar em seu lugar manicômios criminais, ou melhor ainda um asilo perpétuo para os menores afetados por tendências criminosas obstinadas, ou por loucura moral”.

Porto Alegre, janeiro de 2008, professores dos departamentos de Neurologia e de Genética das duas mais importantes Universidades do Rio Grande do Sul — PUCRS e UFRGS, respectivamente — propõem a elaboração de um trabalho científico de duração de dois anos no qual pretendem investigar, a partir de entrevistas com as mães, com os menores, avaliação psicológica, exame genético e ressonância magnética do cérebro, os mais variados aspectos, a fim de “explicar” o que leva um jovem a se “comportar de maneira violenta”. Têm como objeto de seu estudo 50 jovens internados na Fase — neologismo de Febem — acusados da prática de homicídio.

A polêmica é posta à mesa em um banquete de acusações de obscurantismo e de determinismo.

Estas linhas não têm qualquer cunho de opor-se à pesquisa científica ou ao necessário diálogo interdisciplinar tão esquecido no tratamento das questões criminais de nosso País. O que assusta é a justificativa e o que por trás da pesquisa, aos poucos, se desvela.

Preocupa o discurso dos pesquisadores(1) que dentre suas justificativas afirmam que gostariam que os resultados da pesquisa fossem utilizados para impulsionar políticas públicas de prevenção e evitar conseqüências, “em vez de pensar na doença, pensar na vacina” e, para mim, a mais emblemática das afirmações, a de que “com o que se conhece até agora a situação não mudou”.

É inegável que a pesquisa “secreta”, justa possuidora de tal adjetivo já que segundo o pesquisador “mesmo se procurassem não saberiam detalhes do projeto, porque a gente não fica divulgando (...) quem tem de conhecer somos nós, as comissões científicas, os comitês de ética e os sujeitos da pesquisa”,terá como principal conseqüência fundamentar um discurso punitivo maior em relação aos menores que integram o sistema penal — não se fale que Fase não é sistema penal, pois é tão ou mais acre quanto.

Outro ponto sociologicamente superado que pode ser, e, não tenho dúvidas, será revisitado pela pesquisa, é o da separação entre o bem e o mal. O paradigma do bem e do mal que sustentou a ideologia da defesa social, superado pela teoria estrutural-funcionalista, postada com os fundamentos desenvolvidos especialmente por Durkheim e Merton, revigora-se. Os resultados da pesquisa que se propõe, míope no que se refere às relações de interação do sujeito com o meio social, ao que parece, correm o risco de desconsiderar a desproporção entre os fins culturalmente reconhecidos como válidos e os meios legítimos à disposição do indivíduo para chegarem a tais fins.

Finalmente, ao menos para início de conversa, os pesquisadores devem estar atentos para não incorrerem no mesmo “equívoco” de Lombroso: “esquecer” que o fato de estar fora das grades do sistema penal não significa ser o indivíduo dócil ou não ter ele praticado delitos. Traduz, apenas, que a seletividade do direito e do processo penal não lançou contra eles a sua força; informa, tão-somente, que seus atos violentos e seu desrespeito à lei não foram identificados pelo ogro penal.

Para concluir, cumpre relembrar a profética previsão de Lombroso, que no fim do prefácio da quarta edição da referida obra afirma: “Talvez de minha obra não reste em breve pedra sobre pedra, mas a idéia que lhe deu origem, pouco a pouco transmitida e revigorada por esses pensadores, cursores qui vitae lampada tra­hunt, esta idéia não perecerá.”

Nota

(1) Entrevista concedida ao Jornal Zero Hora, em 28 de janeiro de 2008, fl. 4.

Felipe Cardoso Moreira de Oliveira
Advogado, professor universitário e conselheiro fundador do !TEC



Boletim IBCCRIM nº 184 - Março / 2008

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