quarta-feira, 23 de abril de 2008

Artigo - A infância vitimizada, por Marlene Wiechoreki*

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), regulamentado pela Lei 8.069/90, a criança e o adolescente passaram a ser considerados "pessoas em desenvolvimento", que devem ter seus direitos fundamentais garantidos, como qualquer cidadão.

O estatuto trata da proteção integral e assegura, por lei, ou outros meios, que crianças e adolescentes tenham todas as oportunidades e facilidades, que lhes permitam desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, em condições plenas e com dignidade. Mesmo com a garantia da lei, diariamente, as sociedades gaúcha e brasileira vêm sendo chocadas por alguns casos assustadores envolvendo crianças e jovens. Parece-nos que nunca a infância foi tão vitimada e a adolescência tão atingida como agora. A mesma mão que deveria afagar e dar segurança é a mão que abusa, maltrata e mata.

Recentemente, vivemos o episódio da pequena Isabella de Oliveira Nardoni, num crime que abalou o país. Isabella foi morta aos cinco anos de idade e está na faixa etária na qual mais incidem crimes - entre cinco e 14 anos.

A criança teme perder o amor e o cuidado do agressor, que é normalmente uma das pessoas mais próximas - pai, padrasto ou avô - , pois sente a necessidade de todo ser humano de receber proteção, carinho e cuidado. Contudo, essa figura parental que deveria proteger é o agressor que viola seus direitos e que destrói sua infância. Muitas vezes, a criança sofre e silencia pelo medo de destruir o suposto equilíbrio familiar.

O segredo familiar que se institui é um dos fatores que mais dificultam os profissionais a diagnosticarem vivências de abuso sexual. As diversas formas de violência contra crianças se manifestam em todas as classes sociais, porém, em classes mais favorecidas, o acesso à verificação e comprovação de tais práticas se torna, em muitos casos, ainda mais difícil, pela omissão dos envolvidos.

Nas classes menos favorecidas, ao contrário, o número de denúncias é maior e com maior participação da comunidade escolar, dos conselhos tutelares e, conseqüentemente, do Judiciário e do Ministério Público.

Diante da realidade que nos desafia, torna-se urgente que as políticas sociais públicas focalizem os esforços na família com ações integradas entre as áreas da assistência social, saúde, segurança, educação e habitação.

A atenção à primeira infância, com ações preventivas e cuidados de saúde física e mental, não apenas para as crianças, mas para os pais e responsáveis, através de programas de orientação e apoio sociofamiliar, representa ações estratégicas e positivas, pois temos que deixar a lógica da criminalização pura e simples pela lógica da responsabilização, inclusive com a sanção penal aliada ao tratamento aos agressores.

Nesse sentido, o Sistema Único da Assistência Social (Suas) propõe ações entre os três níveis de governo: municípios, Estados e União. No âmbito municipal, o Suas destaca a importância das ações integradas através da estruturação dos Centros de Referência da Assistência Social, os quais podem desenvolver ações integradoras entre as políticas públicas no âmbito municipal com o co-financiamento pelos Estados e governo federal.

Contudo, torna-se urgente que todos os segmentos sociais sintam-se participantes e atores na promoção e defesa dos direitos fundamentais da infância e da juventude. Denunciando fatos ou suspeitas de violação de direitos, inclusive de forma anônima, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente e, acima de tudo, construindo, em conjunto, um grande pacto pela educação nacional que não deve significar apenas o acesso ao conhecimento, mas a mudança nas práticas sociais no que tange ao resgate de valores humanísticos um tanto perdidos.

*Presidente da Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul, vinculada à Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog