segunda-feira, 21 de abril de 2008

Artigo - Clamor punitivo contra adolescentes

No último 7 de fevereiro fez um ano que João Hélio foi morto, arrastado pelo cinto de segurança do carro de sua mãe. O crime, atribuído a um grupo de cinco jovens (apenas um deles menor de 18 anos), reacendeu o debate sobre o aumento do prazo de internação para adolescentes infratores.

O projeto de Lei 2.847/2000, que aumentava esse prazo, antes arquivado em janeiro de 2007, foi rapidamente desarquivado. Logo, outros 31 projetos foram apensados àquele, alguns com proposta de aumento do prazo de internação de adolescentes para até 20 anos de idade.

Elaborou-se, em seguida, um projeto substitutivo, na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, prevendo o prazo máximo de até 8 anos de internação para quem cometer atos infracionais com violência ou grave ameaça, ou para infrações tipificadas também como crimes hediondos, sendo o primeiro relatório técnico, nesses casos, encaminhado ao Juízo apenas após 1 ano de internação. Ao mesmo tempo, esse substitutivo admitiu a internação de até 3 anos para adolescentes que pratiquem condutas de quadrilha ou de tráfico de drogas, ainda que primários. Estabeleceu também o substitutivo que o ECA poderá ser excepcionalmente aplicado às pessoas entre 18 e 26 anos de idade.

No parecer respectivo, o subscritor do substitutivo menciona que “após a audiência com especialistas no tema”, formou “a convicção de que o período de 8 anos é compatível com o repúdio social à conduta infracional e o propósito do ECA, que é o de garantir a reeducação e conseqüente reinserção na sociedade daqueles que praticam atos dessa gravidade”. Afirma ainda o parecer que esse aumento de internação não deve ser razão de polêmica, já que “vai ao encontro do clamor da sociedade”, com a vantagem, ainda, de evitar uma discussão maior que é aquela da redução da maioridade penal.

Por esse substitutivo, portanto, o roubo simples passa a incorrer na mesma reprimenda dos crimes hediondos. Apesar da consciente distorção criada — inicialmente o projeto defendia a ressocialização dos adolescentes —, o parecer defende que esse substitutivo, “longe de permitir que mais e mais jovens venham a ser internados, desestimulará os mesmos a praticarem essa modalidade de infração, propiciando, ainda, uma reflexão sobre a gravidade de seus atos e as conseqüências deles advindas”. E, continua o parecer, “ao saberem, como de fato saberão, que este tipo de ato infracional poderá ensejar medida de internação por até 8 anos, não tenham dúvidas de que pensarão muito antes de praticá-lo”. Não esclarece o parecer, no entanto, como quatro dos cinco jovens que mataram João Hélio tiveram, então, coragem para fazê-lo, mesmo sabendo-se penalmente imputáveis e incorrendo em penas altíssimas.

O substitutivo, portanto, centra-se na ultrapassada e improvável idéia de que a imposição de pena maior reduzirá maniqueistamente a quantidade de determinados crimes, como se houvesse uma relação de interdependência entre esses fatores. O aumento de pena nunca foi, não é e jamais será razão para diminuição da criminalidade. É evidente que as causas da violência e da criminalidade, passando pela efetivação de direitos sociais comumente violados no Brasil, são muito mais complexas que o raciocínio apresentado no substitutivo.

Preocupa, ainda, que a discussão do aumento do prazo de internação de adolescentes, como exposta no parecer, esteja baseada na lógica de tratar mais severamente os autores de crimes mais graves, fazendo-o como alternativa politicamente factível à redução da maioridade penal, e tudo de forma a atingir, por caminho oblíquo, aquilo que é proibido expressamente pela Constituição da República.

O substitutivo apresentado, aparentemente dirigido a alguns poucos crimes, na verdade opera grande alteração, a ponto de ensejar até que um adolescente primário, autor de um roubo simples, fique mais tempo internado do que ficaria se fosse um adulto que houvesse cometido o mesmo roubo. Ou seja, essa alteração contraria um dos pilares do princípio da proteção integral: o adolescente não pode receber tratamento mais gravoso que aquele dado ao adulto.

Atente-se que, segundo pesquisa de maio de 2006 da ex-Febem/SP, 51% dos adolescentes estavam internados por roubo ou porte de arma, enquanto 14% estavam internados por crimes contra a vida e com uso de violência. Isso significa que, em São Paulo, o substitutivo ensejaria que 65% dos internos ficassem privados de liberdade por até 8 anos. Trata-se de imensa alteração que não deve passar despercebida, sobretudo para os governos estaduais que já hoje não dispõem das vagas necessárias para cumprir nossa atual legislação.

Mas, não só. O aumento do prazo de internação, além de inconstitucional, contraria ainda tratados internacionais ratificados pelo Brasil (Convenção sobre os Direitos da Criança, Regras de Beijing e Regras Mínimas da ONU para Jovens Privados de Liberdade). Todos, de forma uníssona, repetem que a privação de liberdade de adolescentes deve necessariamente atender os princípios da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Em suma, o substitutivo pretendido, ou seu esforço retórico, certamente violam a Constituição da República e todos os tratados internacionais que o Brasil ratificou nessa matéria. Se isso passar despercebido pelo Poder Legislativo, certamente não será aceito, assim, passivamente, por quem, para além do mero sensacionalismo, realmente vela pela ordem constitucional e pelo Estado Democrático de Direito em nosso país.


Boletim IBCCRIM nº 184 - Março / 2008

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