quarta-feira, 23 de abril de 2008

Algemas eletrônicas

Com a sanção da Lei 12.906/07, pelo governador José Serra, entrou em vigor na semana passada, no Estado de São Paulo, a utilização de pulseiras e tornozeleiras com sensores eletrônicos para monitoramento de presos que cumprem pena em regime aberto e semi-aberto. A medida já é adotada nos Estados Unidos, França, Inglaterra e Espanha, com bons resultados.

O sistema de vigilância eletrônica de presos funciona de modo semelhante ao GPS (Global Positioning System), que permite o controle da navegação aérea, marítima ou terrestre por meio da emissão de sinais. Graças a um chip, as pulseiras ou tornozeleiras eletrônicas enviam para um banco de dados informações sobre a movimentação de condenados que estão em regime de liberdade temporária, o que permite às autoridades carcerárias saber se estiveram em locais que estão proibidos de freqüentar por determinação judicial. Com isso, os presos podem ser fiscalizados durante 24 horas por dia. Além de sua eficiência, o sistema tem um custo baixo - cerca de R$ 600 mensais, valor três vezes inferior ao custo médio de manutenção de um preso no sistema carcerário.

O projeto que resultou na lei aprovada pela Assembléia e sancionada por Serra é de autoria do deputado Baleia Rossi (PMDB) e contou com apoio de autoridades penitenciárias, que há muito tempo reclamam das dificuldades para fiscalizar o comportamento de presos aos quais são concedidos os benefícios da legislação de execuções penais, como saída temporária em datas festivas, saída para trabalho externo ou liberdade condicional. Até agora, o controle é feito somente após o retorno do preso ao sistema penitenciário, no caso da saída temporária, ou por seu comparecimento aos setores de fiscalização do Executivo nos prazos fixados pelos juízes das varas de execuções.

Mas, se no mérito a iniciativa parece ser boa, do ponto de vista formal o problema é saber se a Assembléia tem competência legal para votar leis penais. Ao justificar a aprovação da Lei Estadual 12.906/07, os deputados estaduais alegaram que a gestão do sistema prisional é de responsabilidade dos governos estaduais e que esse texto legal não cria uma nova punição, limitando-se a regulamentar atribuições da Secretaria de Administração Penitenciária. Com isso, o Estado de São Paulo só estaria exercitando o que os juristas chamam de "poder-dever de fiscalizar".

No entanto, a Constituição é clara quando atribui ao Congresso a prerrogativa de votar leis penais. Foi por esse motivo que a sanção da Lei Estadual 12.906/07, por Serra, causou perplexidade no Ministério Público e no Poder Judiciário. "Só o Congresso pode legislar sobre matéria penal", diz o promotor Carlos Cardoso, do 1º Tribunal do Júri da capital. "A lei é manifestamente inconstitucional", afirma o desembargador Celso Limongi, ex-presidente do tribunal de Justiça de São Paulo. A opinião é compartilhada por advogados que atuam em Defensorias Públicas.

O fato é que a Lei Estadual 12.906/07 contém falhas técnicas e conceituais, pois não define custos, prazos, abrangência e critérios para escolha da tecnologia a ser adotada. A lei se limita a afirmar que o sistema de vigilância eletrônica será adotado para os presos condenados por crime de tortura, tráfico de drogas, terrorismo, homicídio, latrocínio, extorsão mediante seqüestro, falsificação de medicamentos, estupro e atentado ao pudor. O monitoramento eletrônico só será realizado por decisão de um juiz de execuções penais, após parecer do Ministério Público, e dependerá de consentimento formal do condenado. O objetivo é evitar que ele acione judicialmente o poder público, alegando que a vigilância eletrônica comprometeu sua dignidade e seu direito à privacidade.

Na realidade, como a segurança pública é hoje uma das principais preocupações da sociedade, a Assembléia caiu na tentação de legislar sobre execução penal num ano eleitoral. O sistema de vigilância eletrônica adotado em São Paulo pode acabar sendo derrubado pelo Supremo Tribunal Federal.


Estadão, 23/04/2008.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog