quarta-feira, 16 de abril de 2008

2008: política internacional de drogas em revista

2008 vai ser um ano chave para a legislação internacional sobre drogas. É neste ano que será realizada uma avaliação da declaração política e dos planos de ação adotados durante os dez anos de sessões da Assembléia Geral das Nações Unidas, e quando serão definidas as novas diretrizes a respeito das políticas de drogas em nível mundial.



E os trabalhos já começaram. Entre os dias 10 e 14 de março, foi realizado em Viena, na Áustria, um debate temático durante a 51ª Sessão da Comissão de Estupefacientes (CND, na sigla em inglês). Em um segundo momento será produzido um relatório de revisão da Assembléia Geral que será elaborado pela Oficina das Nações Unidas contra Drogas e Delitos (ONUDD). Posteriormente, se iniciará um "período de reflexão global" que culminará, em 2009, com uma comissão ministerial na CND.



A pergunta que se faz é: modificar ou reafirmar o sistema internacional de fiscalização de estupefacientes? Para o Consórcio Internacional sobre Política de Drogas (IDPC, sigla em inglês), uma rede mundial integrada por ONGs e redes profissionais especializadas em temas relacionados ao uso e a produção de drogas ilegais, existem questões importantes que devem ser colocadas em discussão. "Apesar de as políticas de redução de danos estarem se generalizando, principalmente devido aos programas de combate ao HIV/Sida, as populações carcerárias têm aumentado", aponta um relatório do IDPC sobre o encontro. Outro tema em discussão é a necessidade de reformar o sistema da ONU que deve ser mais coeso, reforça o relatório.



O documento, que reuniu os principais pontos levantados durante a reunião da CND, considerou os resultados do encontro “decepcionantes” uma vez que poucos governos reconheceram ou se comprometeram com os graves problemas que surgem em conseqüência da política de drogas atual.



Em contrapartida, o IDPC destacou o aumento da influência da sociedade civil que, pela primera vez, pôde participar das sessões. Apontou também a aceitação cada vez maior por parte do ONUDD dos princípios e práticas da redução de danos; a necessidade de vincular os direitos humanos às políticas de drogas; os questionamentos feitos pelos governos sobre os procedimentos e o mandato da Junta Internacional de Fiscalização de Estupefacientes (Jife); e o anúncio do governo da Bolívia em requerer a desclassificação da folha de coca das convenções sobre controle de drogas.



Direitos humanos em destaque



Para o IDPC, o debate temático foi “débil” devido às intervenções de governos que, na maioria das vezes, aclamavam as conquistas nacionais ou simplemente apoiavam a continuidade das políticas atuais. Mas isto, destaca o documento, abriu espaço para as ONGs que participaram com análises que colocaram foco sobre questões-chave a serem debatidas ao pensar numa reforma do sistema atual de políticas de drogas. Entre elas, se destaca o respeito aos direitos culturais em relação ao uso da folha de coca, os números cada vez maiores de encarceramentos referentes ao uso e tráfico de drogas, os direitos humanos como elemento central das políticas de drogas e a redução de danos em resposta à prevenção do HIV/Sida.



Neste sentido, destacou-se o discurso do diretor executivo do ONUDD, Antonio Maria Costa, que declarou a necessidade de dar mais apoio financeiro a programas de redução de danos e chamou a atenção aos aspectos de saúde relacionados ao problema da droga.



“No que diz respeito ao fato de a saúde pública ser o princípio elementar do controle de drogas, a segurança pública tem recebido mais investimentos, ao contrário da prevenção e do tratamento. Temo que isso se deva a razões políticas que são dirigidas a êxitos rápidos como apreensões e prisões, em lugar de agentes de transformação que resolvam o problema a longo prazo”.



Costa enfatizou também que há gente demais nas prisões e poucas recebendo tratamento e que existem mais recursos para a erradicação de cultivos do que para a erradicação da pobreza, ressaltando ainda a necessidade de nos guiarmos pelos princípios establecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Até agora, se deu pouca atenção a este aspecto de nosso trabalho. Isto, definitivamente, precisa mudar. Não é porque as drogas matam, que precisamos nos matar por causa das drogas”.



Redes articuladas



Mayrá Jucá, coordenadora de projetos da ONG brasileira Viva Rio, e que esteve presente no encontro, ressaltou a importância de se saber como as delegações dos países se articulam durante os intervalos e tentam encaminhar seus interesses de modo que, no plenário, muitas vezes o debate acaba sendo um teatro. “Por outro lado, em alguns momentos fica claro quais são as tensões entre os países em relação a seus interesses mais específicos”, observou.



Mayra Jucá ressaltou também a oportunidade que as ONGs tiveram de conhecer as delegações de seus respectivos países e assim poder establecer contatos para tentar influenciar as políticas de modo mais eficaz: “Ficou clara a necessidade de se articular e saber utilizar os mecanismos certos para sensibilizar aos dirigentes em relação à redução de danos, direitos humanos etc. Por isso, é importante insistir no fortalecimento de redes. A sociedade civil de diversos países está atenta a temas comuns e pode afinar-se mais”, conclui.


Comunidade Segura, 16/04/2008.

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