Disparo de arma de fogo só é crime se gerar risco concreto à incolumidade pública, e não quando alguém procura se matar no interior do próprio quarto, sem qualquer possibilidade de comprometer a integridade física de terceiros. Assim entendeu a 9ª Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo ao absolver um homem que virou réu por tentar suicídio após discutir com a mulher.
Logo após a briga, em 2012, ele se trancou no quarto e anunciou que iria se matar com uma pistola registrada em seu nome. A bala atingiu a parede, e o homem desistiu depois que a polícia foi chamada. O Ministério Público, porém, o acusou por disparo de arma de fogo e posse irregular da pistola, pois o registro estava vencido.
Ele foi condenado a 2 anos e 4 meses de prisão, pena substituída por restritivas de direito, mais multa. A sentença considerou “de rigor” a punição, já que o réu confessou o episódio e “a alegada ausência de dolo mostra-se totalmente inadmissível, considerando que quem possui arma de fogo tem o ônus de mantê-la em condições legais de posse, porte e uso”.
A Defensoria Pública recorreu e conseguiu reverter a decisão. O desembargador Amaro Thomé, relator do caso, reconheceu que o delito de disparo, fixado pela Lei 10.826/2003, é considerado crime de perigo abstrato, sem exigir risco concreto. Apesar disso, ele não viu nenhuma possibilidade de atentado à integridade física de outras pessoas.
Para o desembargador, o fato de o registro da arma ter vencido também não configura infração penal, mas apenas irregularidade administrativa, cabendo sanções fora da esfera criminal. Thomé afastou, portanto, a acusação do MP com base na mesma lei. A decisão e o número do processo não foram divulgados.
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2017.
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