Reportagem especial do Anuário da Justiça Brasil 2017, que será lançado na próxima quarta-feira (31/5) no Tribunal Superior Eleitoral.
Mais da metade das leis questionadas em sua constitucionalidade e julgadas no mérito pelo Supremo Tribunal Federal em 2016 foram retiradas do ordenamento jurídico. Em 68 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) entre as mais de 1.700 em tramitação analisadas pelo Plenário da corte, foi questionada a constitucionalidade de 62 leis, das quais 41 foram consideradas inconstitucionais, de acordo com levantamento do Anuário da Justiça. Ou seja, de cada três normas analisadas, duas foram consideradas em desconformidade com a Constituição.
O controle concentrado de constitucionalidade de leis aprovadas pelo Legislativo e julgadas pelo Judiciário criou tensão entre os poderes. Foi o caso da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 402) ajuizada pela Rede Sustentabilidade com o pedido de afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) do cargo de presidente do Senado. Em decisão liminar, o ministro Marco Aurélio acatou o pedido, sob a alegação de que, ao se tornar réu em decorrência do Inquérito 2.593, o senador não preenchia as condições para figurar na linha de sucessão do presidente da República. Chamado às pressas para analisar o mérito da questão, o Plenário do Supremo manteve a proibição, mas deixou de referendar a parte da decisão monocrática que ordenava o afastamento imediato de Renan Calheiros da Presidência do Senado, nos termos do voto produzido pelo ministro Marco Aurélio.
Das 68 ADIs julgadas no mérito pelo Supremo em 2016, 40 (59%) foram consideradas procedentes, no todo ou em parte. Outras 53 ADIs chegaram a ser incluídas na pauta de julgamento do Plenário, mas tiveram o prosseguimento cancelado ou foram extintas sem análise do mérito, quase sempre por ilegitimidade da parte autora ou por perda do objeto — que ocorre quando a lei ou o dispositivo impugnado já não existe mais no universo jurídico.
A maior taxa de sucesso no questionamento de leis, em tese, foi registrada pela Procuradoria-Geral da República, com dez ações propostas e nove delas consideradas procedentes (90%). As confederações patronais foram responsáveis pelo maior número de ADIs ajuizadas no Supremo (17 no total), conseguindo vitórias em 12 delas (70%). Nas quatro vezes em que questionou a validade de leis no Supremo, o Conselho Federal da OAB conseguiu apenas uma vitória (25%).
Na única vitória obtida no Supremo, a OAB derrubou lei que autorizava a Assembleia Legislativa do Pará a pagar aos seus deputados subsídios variáveis por participação em sessões extraordinárias. Na ADI 4.509, proposta em dezembro de 2010, a OAB viu reconhecida pelo STF a tese de que a Constituição Federal proíbe a percepção de qualquer parcela indenizatória por convocação extraordinária para deputados federais e senadores, vedação que se estende aos deputados estaduais.
Entre as 68 ADIs julgadas no mérito, apenas cinco foram ajuizadas em 2016, e outras nove chegaram ao Supremo em 2015. Mais da metade dos casos (38) deu entrada antes de 2010 e quando chegaram ao Plenário já estavam com os efeitos suspensos por decisões liminares.
Cinco ADIs foram ajuizadas para questionar pontos das novas regras para a propaganda eleitoral gratuita aprovadas na minirreforma eleitoral (Lei 13.165/2015). Uma delas (ADI 5.423) questionava a distribuição de tempo para propaganda eleitoral e as demais (ADIs 5.487, 5.488, 5.491 e 5.577) a participação de candidatos nos debates eleitorais. Por maioria de votos, o Plenário decidiu que os candidatos que têm participação garantida pela norma em debates eleitorais não podem vetar a presença de outros, convidados pela emissora organizadora dos debates, mesmo que esse convidado não atenda ao requisito legal que garante a participação no evento. A lei diz que a participação em debates está assegurada para candidatos de partidos que possuam um mínimo de dez deputados na Câmara dos Deputados, facultada a participação dos demais pretendentes.
O STF manteve, no entanto, as regras de distribuição de tempo da propaganda eleitoral, ao considerar improcedente ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Para a maioria dos ministros, a distribuição do tempo de maneira proporcional ao número de representantes na Câmara dos Deputados respeita os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Marco Aurélio e Celso de Mello divergiram dos demais nesse ponto, por entenderem que um tempo maior de propaganda para os maiores partidos impõe uma barreira insuperável aos partidos minoritários e rompe a igualdade de participação dos que atuam no processo eleitoral.
A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) também atuou em bloco no Supremo Tribunal Federal e conseguiu anular leis estaduais que obrigavam a instalação de bloqueadores de sinais de telefones celulares em presídios no Paraná, na Bahia, em Santa Catarina e em Mato Grosso do Sul. A primeira dessas ações (ADI 3.835) questionava a Lei 3.153/2005, de Mato Grosso do Sul.
Por maioria de votos e sob o fundamento de que a lei invade a competência privativa da União para legislar em matérias relativas a telecomunicações, além de criar para as operadoras obrigação diretamente relacionada ao objeto da concessão do serviço móvel pessoal, a norma estadual foi declarada inconstitucional.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que defenderam a tese de que a distribuição de competência entre os diversos entes federativos não deveria se dar apenas sob o ponto de vista da predominância de interesses, havendo espaço nos quais os entes poderiam se sobrepor a áreas de competências de outros entes. Em anos anteriores, o STF já havia declarado a inconstitucionalidade formal e suspendido a vigência de normas estaduais e distritais que interferiam diretamente na prestação da atividade desempenhada pelas concessionárias de serviços de telecomunicação. Para o STF, em situações que envolvam possível interdisciplinaridade, as questões relacionadas ao interesse geral ou nacional deveriam ser tratadas de maneira uniforme no país inteiro e não isoladamente por cada ente da Federação.
Teve grande repercussão jurídica o julgamento conjunto de quatro ADIs (2.386, 2.397, 2.390 e 2.859) contra o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária requisitar aos bancos informações sobre transações financeiras de contribuintes sem necessidade de autorização judicial. Por maioria de votos, vencidos os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, o Plenário acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli, e decidiu pela improcedência das ações.
Toffoli sustentou a tese de que a entrega das informações ao Fisco não configura quebra de sigilo bancário, e sim “transferência de dados sigilosos de um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a obrigação de sigilo, permanecendo resguardadas a intimidade e a vida privada do correntista, exatamente como determina o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal”. Destacou, ainda, dois elementos em seu voto: a inexistência de violação de direito fundamental (nesse caso, à intimidade) nos dispositivos questionados e a confluência entre o dever do contribuinte de pagar tributos e o do Fisco de tributar e fiscalizar. Ele também ressaltou que a Receita tem a obrigação do sigilo fiscal e que os dados bancários não são, em tese, divulgados.
Decano do STF, o ministro Celso de Mello acompanhou a divergência aberta pelo ministro Marco Aurélio e votou pela necessidade de ordem judicial para que a Receita Federal tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes. Para o decano, a quebra de sigilo deve se submeter ao postulado da reserva de jurisdição, só podendo ser decretada pelo Poder Judiciário, que é terceiro desinteressado, devendo sempre ser concedida em caráter de absoluta excepcionalidade. “Não faz sentido que uma das partes diretamente envolvida na relação litigiosa seja o órgão competente para solucionar essa litigiosidade”, alertou.
Para o ministro Marco Aurélio, “a quebra de sigilo não pode ser manipulada de forma arbitrária pelo poder público”. Criticou a virada na jurisprudência, já que em 2010, seguindo o seu voto, o tribunal entendeu ser inconstitucional a quebra de sigilo sem autorização judicial. Atribuiu o resultado à nova composição do Plenário, “talvez colocando-se em segundo plano o princípio da impessoalidade”. Para o vice-decano, quem detém a prerrogativa de quebrar o sigilo bancário é o Poder Judiciário, “mesmo assim limitado pela Constituição”.
Ao julgar a ADI 1.532, o STF anulou a eleição da nova administração do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 5 de dezembro de 2016, vencida pelo desembargador Luiz Zveiter. Zveiter, que presidira a corte de 2009 a 2011, participou do pleito respaldado pela Resolução 1/2014, do TJ-RJ, que alterou a regra vigente para permitir um novo mandato a ex-presidentes do tribunal, “desde que observado o intervalo de dois mandatos”.
Em 2015, a PGR ajuizou a ação no Supremo arguindo a inconstitucionalidade da norma, por contrariar o artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979), que veda a reeleição para cargos de direção dos Tribunais de Justiça. O mérito da ação foi julgado nove dias depois da eleição de Zveiter, com o STF reconhecendo a ilegalidade da norma. Relatora da ADI, a ministra Cármen Lúcia destacou no voto que, ao permitir nova eleição de desembargador para cargo no órgão diretivo do tribunal, mesmo se observando o intervalo de dois mandatos, “o Plenário do TJ-RJ inovou e, dessa forma, contrariou as balizas fixadas pela Loman”. A decisão do Supremo levou o TJ-RJ a realizar nova eleição, vencida pelo desembargador Milton Fernandes, que vai comandar a corte fluminense no período 2017/2018.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2017.
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