O Judiciário não pode adotar a tese de que, em casos de crimes graves, é preciso sempre decretar a prisão cautelar do réu antes do trânsito em julgado. Isso porque o princípio da presunção de inocência não cria graus de diferenciação entre delitos.
Esse foi o entendimento unânime da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao permitir que o dono de uma clínica de reabilitação respondesse em liberdade seu processo por cárcere privado e maus-tratos.
O réu foi condenado em primeiro e segundo graus por manter 43 pessoas, entre eles, dois menores de idade, em condições consideradas inaptas para o tratamento de desintoxicação. Na denúncia é citado que a clínica oferecia alimentação insuficiente e impedia os internos de saírem de seus quartos em dias de visita para não causar “má impressão” nos visitantes.
Em recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo, após a condenação, os advogados Luciana Rodrigues e Welington Arruda, do Rodrigues e Arruda Advocacia, pediram que o réu pudesse recorrer em liberdade. “Primariedade, residência fixa e trabalho lícito são circunstâncias que não impedem a medida constritiva”, respondeu a corte paulista, ao negar a solicitação.
O TJ-SP também destacou a necessidade de manter o réu preso por causa da possibilidade de atrapalhar os atos processuais, além da gravidade do crime. No recurso ao STJ, os advogados argumentaram que não há como manter alguém preso sob a alegação de a liberdade permitiria novo delito, "a menos que estejamos diante de mera futurologia”.
Alegaram ainda que a liberdade do réu não coloca em risco a ordem pública ou atrapalha a instrução processual. "Não existe qualquer circunstância fática que sirva de indício à suposição de que, em liberdade, o Paciente comprometeria a ordem pública ou a paz social", disseram na peça. O Ministério Público Federal pediu que o HC fosse negado.
Para a relatora do caso no STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não deve ser adotada pelos magistrados “a tese de que, nos casos de crimes graves, há uma presunção relativa da necessidade da custódia cautelar”. Segundo ela, esse tipo de prisão deve ser concedida apenas em situações extremas, partindo de dados obtidos a partir da experiência concreta.
“E isso porque a Constituição da República não distinguiu, ao estabelecer que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, entre crimes graves ou não, tampouco estabeleceu graus em tal presunção”, explicou a magistrada.
A necessidade de fundamentação, continuou, é necessária porque o objeto atacado com a prisão é uma garantia constitucional, e, por isso, é preciso saber quais razões a motivam. “Dúvida não há, portanto, de que a liberdade é a regra, não compactuando com a automática determinação/manutenção de encarceramento. Pensar-se diferentemente seria como estabelecer uma gradação no estado de inocência presumida.”
Especificamente sobre a decisão do TJ-SP, a ministra ressaltou que a “prisão provisória que não se justifica ante a ausência de fundamentação idônea”. Ela detalhou que os elementos citados na peça são frágeis e não conseguem ligar a gravidade do delito apontada pela corte e os elementos concretos da conduta.
“A gravidade genérica do delito não sustenta a prisão. De igual modo, os demais elementos constituem embasamento frágil. Ao que se me afigura, pois, debruçando-me sobre o caso em concreto, a prisão cautelar não se sustenta, porque nitidamente desvinculada de qualquer elemento de cautelaridade”, diz o voto.
Clique aqui para ler o voto da relatora.
HC 391.424
Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2017.
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