Nas ações criminais privadas, a transação penal depende da convergência de vontades, pois se insere no âmbito do juízo de conveniência e oportunidade do titular da ação. Assim, se este não concordar, não haverá transação, e o processo terá sequência normal. Com esse entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acolheu parcialmente uma correição parcial interposta pelo Ministério Público Federal.
O colegiado entendeu que, embora o benefício da transação penal encontre previsão apenas na Lei 9.099/95, para as ações penais públicas, onde o Ministério Público figura como o único titular, a jurisprudência admite sua aplicação às ações penais privadas. Com a decisão, o colegiado reformou a decisão do juízo de origem, para que, diante do não oferecimento da transação penal por parte da empresa ofendida, dê-se prosseguimento à ação penal, com a deliberação sobre o recebimento da queixa.
Segundo o relator do recurso, desembargador Leandro Paulsen, compete exclusivamente ao autor da ação criminal privada a prerrogativa de oferecer proposta de transação penal. A negativa deste não pode ser contornada pelo oferecimento do benefício por parte do Ministério Público. Afinal, se a ação penal privada é de titularidade do ofendido, não é dada ao Ministério Público a prerrogativa de fazer esta oferta, nem mesmo em caso de inércia do titular.
‘‘E, em se tratando de um benefício que exige o consenso entre as partes e adotando-se uma interpretação sistemática do disposto no art. 76, § 3º e 4º, da Lei 9.099/95, entendo que o Magistrado também não detém a prerrogativa de ofertá-lo em substituição ao ofendido. Ao magistrado, compete apenas analisar os termos do acordo ajustado entre as partes’’, concluiu o desembargador Paulsen. O acórdão foi lavrado na sessão de 8 de março.
Para entender o imbróglio
Segundo os autos, um canal de televisão apresentou queixa-crime contra um casal por importarem mochilas, sem autorização legal, ostentando a personagem e marca registrada de um desenho animado. Com isso, teriam incorrido nos delitos tipificados nos artigos 190, inciso I (comércio de marca ilicitamente reproduzida), e 195, inciso III (concorrência desleal por meio fraudulento), ambos da Lei de Propriedade Intelectual (9.279/96); e no artigo 184 (violação de direito autoral) do Código Penal.
Ao analisar a peça inicial, o juiz Moser Vhoss, da 1ª Vara Federal de Itajaí (SC), firmou entendimento de que os institutos despenalizadores previstos na lei que regula os juizados especiais cíveis e criminais (9.099/95) aplicam-se também às ações penais privadas. Desse modo, determinou que fosse designada data para a realização da audiência preliminar prevista nos artigos 72 e seguintes da referida lei, na qual se deliberaria sobre a composição dos danos civis e, subsidiariamente, sobre o benefício da transação penal.
Todavia, a empresa norte-americana peticionou nos autos, esclarecendo não ter interesse no oferecimento da proposta de transação penal. Motivo da recusa: a aplicação desse instituto, a seu ver, não permitiria uma penalização exemplar dos dois denunciados na denúncia-crime.
Em face da recusa, o juiz concedeu prazo de 15 dias para a empresa emitir novo pronunciamento sobre a oferta do benefício da transação penal aos autores do fato, ofertando-a ou apresentando razões mais pormenorizadas e adequadas para justificar a recusa em ofertá-la. Também determinou que, havendo silêncio ou não apresentação de razões consideradas válidas para a recusa de oferta, a denúncia sofrerá apreciação judicial, pela qual poderá ser ofertada a transação penal.
Dessa decisão, o Ministério Público Federal interpôs correição parcial contra o ato do juiz. No recurso, o parquet federal sustenta que a decisão é equivocada para os casos em que, injustificadamente, o autor da queixa-crime deixa de oferecer proposta de transação penal. Nesse caso, a solução jurídica mais adequada seria a intimação do MPF para oferecer o instituto e, em caso de recusa do procurador da República, deve ser aplicado subsidiariamente o artigo 28 do Código de Processo Penal. O dispositivo diz que se o órgão do Ministério Público, em vez de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
Com isso, pediu, liminarmente e no mérito, o reconhecimento da nulidade da decisão do juiz catarinense, facultando que o MPF ofereça o benefício da transação penal, em caso de recusa injustificada do autor da queixa-crime.
Clique aqui para ler o acórdão da 8ª Turma do TRF-4.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2017.
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