A Constituição Federal, no artigo 5º, XLIII, proíbe anistia ou graça a condenados por crimes hediondos, mas não restringe a concessão de indulto a esses casos. Dessa maneira, cabe ao presidente da República estabelecer as condições para a obtenção de tal benefício. E como o indulto de Dia das Mães só veda esse tipo de perdão àquelas que praticaram delito mediante violência ou grave ameaça, sem veto expresso a crimes hediondos, a medida pode ser aplicada a mulheres sentenciadas por tráfico de drogas.
Com base nesse entendimento, o juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois, concedeu na sexta-feira (5/5) indulto de Dia das Mães a uma condenada e declarou extinta a pena dela por tráfico.
Em sua decisão, Valois afirmou que, se a Constituição autoriza que o presidente conceda indulto, mas não fixa restrição desse benefício se o condenado tiver cometido crime hediondo, não há como lei ordinária proibir a prática nesses casos. É isso que fez a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), no artigo 2º, I.
Citando decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (aposentado), o juiz destacou que a decisão de conceder ou não esse tipo de perdão judicial aos que praticaram crimes hediondos compete ao presidente.
Os decretos presidenciais que travam de indulto sempre traziam vedação expressa da medida em tais situações, ressaltou Valois. Mas a norma de 12 de abril não trouxe, demonstrando que ela “efetivamente pretendeu alcançar as mulheres de uma forma mais ampla”, conforme o magistrado da VEP de Manaus.
O que o decreto proibiu foi o indulto às mulheres que praticaram crimes mediante violência ou grave ameaça. Porém, esse não é o caso da condenada avaliada por Valois, que apenas portava droga, sem qualquer papel de liderança no tráfico.
“Note-se que em 20 anos de jurisdição na Vara de Execuções Penais do Amazonas, nunca encontrei uma mulher sequer envolvida com o comércio de drogas como protagonista, isto é, como realmente responsável pelo tráfico. São mulheres que normalmente são condenadas como co-autoras, partícipes ou associadas, mas nunca as verdadeiras responsáveis pelo tráfico, sendo a opção governamental inteiramente coerente e condizente com a preocupação geral com a segurança pública”, argumentou Valois.
Para fortalecer seu argumento de que o presidente Michel Temer buscou estender os benefícios de Dia das Mães às condenadas por tráfico (68% das presas do Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça), Luís Carlos Valois mencionou o artigo 1º, III, “f”, do decreto. Nesse dispositivo, fica autorizado o indulto de mulheres sentenciadas pelo artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), desde que elas já tenham cumprido um sexto da pena. Por outro lado, nas alíneas “g” e “h” do mesmo artigo e inciso, exige-se o cumprimento de um quarto ou um terço (se reincidente) da pena.
Após destacar que a mulher não foi punida com infração disciplinar, tem bom comportamento e já cumpriu um quarto da pena, Valois declarou extinta a punibilidade referente ao tráfico de drogas e ordenou a imediata soltura dela.
Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 0227216-05.2016.8.04.0001
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2017.
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