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quarta-feira, 31 de maio de 2017
Convite IDDD | Ato público: "Justiça e injustiças em foco no caso Cracolândia", quinta-feira, às 17h
Uso de transporte público no tráfico não motiva aumento de pena, decide STJ
A utilização de transporte público no tráfico de drogas é um dos três novos temas da ferramenta Pesquisa Pronta, do Superior Tribunal de Justiça.
Segundo a jurisprudência do STJ, a simples utilização de transporte público no tráfico de entorpecentes não é suficiente para caracterizar a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso II, da Lei 11.343/06, que tem incidência somente quando comprovada a comercialização das drogas em seu interior.
Execução e REsp
No tema tributário, o STJ entende o ajuizamento de execução fiscal contra pessoa já morta não autoriza o redirecionamento à herança, uma vez que não se chegou a completar a relação processual, faltando, pois, uma das condições da ação: a legitimidade passiva. O terceiro assunto trata de Direito Processual Civil.
O STJ considera inviável a interposição de Recurso Especial com a intenção de dúvida registral, direta ou inversa, salvo quando o procedimento estiver envolvido em caráter contencioso. Essa hipótese é possível entre sujeitos que defendam interesses próprios, razão pela qual não pode ser reconhecida entre o apresentante do título a registro e o oficial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2017.
terça-feira, 30 de maio de 2017
De cada três leis, duas foram julgadas inconstitucionais pelo STF em 2016
Reportagem especial do Anuário da Justiça Brasil 2017, que será lançado na próxima quarta-feira (31/5) no Tribunal Superior Eleitoral.
Mais da metade das leis questionadas em sua constitucionalidade e julgadas no mérito pelo Supremo Tribunal Federal em 2016 foram retiradas do ordenamento jurídico. Em 68 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) entre as mais de 1.700 em tramitação analisadas pelo Plenário da corte, foi questionada a constitucionalidade de 62 leis, das quais 41 foram consideradas inconstitucionais, de acordo com levantamento do Anuário da Justiça. Ou seja, de cada três normas analisadas, duas foram consideradas em desconformidade com a Constituição.
O controle concentrado de constitucionalidade de leis aprovadas pelo Legislativo e julgadas pelo Judiciário criou tensão entre os poderes. Foi o caso da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 402) ajuizada pela Rede Sustentabilidade com o pedido de afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) do cargo de presidente do Senado. Em decisão liminar, o ministro Marco Aurélio acatou o pedido, sob a alegação de que, ao se tornar réu em decorrência do Inquérito 2.593, o senador não preenchia as condições para figurar na linha de sucessão do presidente da República. Chamado às pressas para analisar o mérito da questão, o Plenário do Supremo manteve a proibição, mas deixou de referendar a parte da decisão monocrática que ordenava o afastamento imediato de Renan Calheiros da Presidência do Senado, nos termos do voto produzido pelo ministro Marco Aurélio.
Das 68 ADIs julgadas no mérito pelo Supremo em 2016, 40 (59%) foram consideradas procedentes, no todo ou em parte. Outras 53 ADIs chegaram a ser incluídas na pauta de julgamento do Plenário, mas tiveram o prosseguimento cancelado ou foram extintas sem análise do mérito, quase sempre por ilegitimidade da parte autora ou por perda do objeto — que ocorre quando a lei ou o dispositivo impugnado já não existe mais no universo jurídico.
A maior taxa de sucesso no questionamento de leis, em tese, foi registrada pela Procuradoria-Geral da República, com dez ações propostas e nove delas consideradas procedentes (90%). As confederações patronais foram responsáveis pelo maior número de ADIs ajuizadas no Supremo (17 no total), conseguindo vitórias em 12 delas (70%). Nas quatro vezes em que questionou a validade de leis no Supremo, o Conselho Federal da OAB conseguiu apenas uma vitória (25%).
Na única vitória obtida no Supremo, a OAB derrubou lei que autorizava a Assembleia Legislativa do Pará a pagar aos seus deputados subsídios variáveis por participação em sessões extraordinárias. Na ADI 4.509, proposta em dezembro de 2010, a OAB viu reconhecida pelo STF a tese de que a Constituição Federal proíbe a percepção de qualquer parcela indenizatória por convocação extraordinária para deputados federais e senadores, vedação que se estende aos deputados estaduais.
Entre as 68 ADIs julgadas no mérito, apenas cinco foram ajuizadas em 2016, e outras nove chegaram ao Supremo em 2015. Mais da metade dos casos (38) deu entrada antes de 2010 e quando chegaram ao Plenário já estavam com os efeitos suspensos por decisões liminares.
Cinco ADIs foram ajuizadas para questionar pontos das novas regras para a propaganda eleitoral gratuita aprovadas na minirreforma eleitoral (Lei 13.165/2015). Uma delas (ADI 5.423) questionava a distribuição de tempo para propaganda eleitoral e as demais (ADIs 5.487, 5.488, 5.491 e 5.577) a participação de candidatos nos debates eleitorais. Por maioria de votos, o Plenário decidiu que os candidatos que têm participação garantida pela norma em debates eleitorais não podem vetar a presença de outros, convidados pela emissora organizadora dos debates, mesmo que esse convidado não atenda ao requisito legal que garante a participação no evento. A lei diz que a participação em debates está assegurada para candidatos de partidos que possuam um mínimo de dez deputados na Câmara dos Deputados, facultada a participação dos demais pretendentes.
O STF manteve, no entanto, as regras de distribuição de tempo da propaganda eleitoral, ao considerar improcedente ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Para a maioria dos ministros, a distribuição do tempo de maneira proporcional ao número de representantes na Câmara dos Deputados respeita os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Marco Aurélio e Celso de Mello divergiram dos demais nesse ponto, por entenderem que um tempo maior de propaganda para os maiores partidos impõe uma barreira insuperável aos partidos minoritários e rompe a igualdade de participação dos que atuam no processo eleitoral.
A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) também atuou em bloco no Supremo Tribunal Federal e conseguiu anular leis estaduais que obrigavam a instalação de bloqueadores de sinais de telefones celulares em presídios no Paraná, na Bahia, em Santa Catarina e em Mato Grosso do Sul. A primeira dessas ações (ADI 3.835) questionava a Lei 3.153/2005, de Mato Grosso do Sul.
Por maioria de votos e sob o fundamento de que a lei invade a competência privativa da União para legislar em matérias relativas a telecomunicações, além de criar para as operadoras obrigação diretamente relacionada ao objeto da concessão do serviço móvel pessoal, a norma estadual foi declarada inconstitucional.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que defenderam a tese de que a distribuição de competência entre os diversos entes federativos não deveria se dar apenas sob o ponto de vista da predominância de interesses, havendo espaço nos quais os entes poderiam se sobrepor a áreas de competências de outros entes. Em anos anteriores, o STF já havia declarado a inconstitucionalidade formal e suspendido a vigência de normas estaduais e distritais que interferiam diretamente na prestação da atividade desempenhada pelas concessionárias de serviços de telecomunicação. Para o STF, em situações que envolvam possível interdisciplinaridade, as questões relacionadas ao interesse geral ou nacional deveriam ser tratadas de maneira uniforme no país inteiro e não isoladamente por cada ente da Federação.
Teve grande repercussão jurídica o julgamento conjunto de quatro ADIs (2.386, 2.397, 2.390 e 2.859) contra o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária requisitar aos bancos informações sobre transações financeiras de contribuintes sem necessidade de autorização judicial. Por maioria de votos, vencidos os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, o Plenário acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli, e decidiu pela improcedência das ações.
Toffoli sustentou a tese de que a entrega das informações ao Fisco não configura quebra de sigilo bancário, e sim “transferência de dados sigilosos de um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a obrigação de sigilo, permanecendo resguardadas a intimidade e a vida privada do correntista, exatamente como determina o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal”. Destacou, ainda, dois elementos em seu voto: a inexistência de violação de direito fundamental (nesse caso, à intimidade) nos dispositivos questionados e a confluência entre o dever do contribuinte de pagar tributos e o do Fisco de tributar e fiscalizar. Ele também ressaltou que a Receita tem a obrigação do sigilo fiscal e que os dados bancários não são, em tese, divulgados.
Decano do STF, o ministro Celso de Mello acompanhou a divergência aberta pelo ministro Marco Aurélio e votou pela necessidade de ordem judicial para que a Receita Federal tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes. Para o decano, a quebra de sigilo deve se submeter ao postulado da reserva de jurisdição, só podendo ser decretada pelo Poder Judiciário, que é terceiro desinteressado, devendo sempre ser concedida em caráter de absoluta excepcionalidade. “Não faz sentido que uma das partes diretamente envolvida na relação litigiosa seja o órgão competente para solucionar essa litigiosidade”, alertou.
Para o ministro Marco Aurélio, “a quebra de sigilo não pode ser manipulada de forma arbitrária pelo poder público”. Criticou a virada na jurisprudência, já que em 2010, seguindo o seu voto, o tribunal entendeu ser inconstitucional a quebra de sigilo sem autorização judicial. Atribuiu o resultado à nova composição do Plenário, “talvez colocando-se em segundo plano o princípio da impessoalidade”. Para o vice-decano, quem detém a prerrogativa de quebrar o sigilo bancário é o Poder Judiciário, “mesmo assim limitado pela Constituição”.
Ao julgar a ADI 1.532, o STF anulou a eleição da nova administração do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 5 de dezembro de 2016, vencida pelo desembargador Luiz Zveiter. Zveiter, que presidira a corte de 2009 a 2011, participou do pleito respaldado pela Resolução 1/2014, do TJ-RJ, que alterou a regra vigente para permitir um novo mandato a ex-presidentes do tribunal, “desde que observado o intervalo de dois mandatos”.
Em 2015, a PGR ajuizou a ação no Supremo arguindo a inconstitucionalidade da norma, por contrariar o artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979), que veda a reeleição para cargos de direção dos Tribunais de Justiça. O mérito da ação foi julgado nove dias depois da eleição de Zveiter, com o STF reconhecendo a ilegalidade da norma. Relatora da ADI, a ministra Cármen Lúcia destacou no voto que, ao permitir nova eleição de desembargador para cargo no órgão diretivo do tribunal, mesmo se observando o intervalo de dois mandatos, “o Plenário do TJ-RJ inovou e, dessa forma, contrariou as balizas fixadas pela Loman”. A decisão do Supremo levou o TJ-RJ a realizar nova eleição, vencida pelo desembargador Milton Fernandes, que vai comandar a corte fluminense no período 2017/2018.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2017.
Desacatar funcionário público continua a ser crime, decide 3ª Seção do STJ
Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, conforme previsto no artigo 331 do Código Penal. Isso é o que decidiu a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.
Após uma decisão da 5ª Turma de dezembro de 2016 pela descriminalização da conduta, o colegiado afetou um Habeas Corpus para que a seção (que reúne as duas turmas de Direito Penal do STJ) pacificasse definitivamente a questão.
Segundo o ministro Antonio Saldanha Palheiro, autor do voto vencedor, a tipificação do desacato como crime é uma proteção adicional ao agente público contra possíveis “ofensas sem limites”.
Para o magistrado, a figura penal do desacato não prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar, “desde que o faça com civilidade e educação”.
O ministro destacou que a responsabilização penal por desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.
Sem benefícios
Com outros fundamentos, o ministro Rogerio Schietti Cruz acompanhou o voto vencedor e disse que a exclusão do desacato como tipo penal não traria benefício concreto para o julgamento dos casos de ofensas dirigidas a agentes públicos.
Ele explicou que, com o fim do crime de desacato, as ofensas a agentes públicos passariam a ser tratadas pelos tribunais como injúria, crime para o qual a lei já prevê um acréscimo de pena quando a vítima é servidor público.
Schietti lembrou que, apesar da posição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ser contrária à criminalização do desacato, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os casos envolvendo indivíduos e estados, já deixou claro em mais de um julgamento que o Direito Penal pode responder a eventuais excessos na liberdade de expressão.
Acrescentou, por outro lado, que o Poder Judiciário brasileiro deve continuar a repudiar reações arbitrárias eventualmente adotadas por agentes públicos, punindo pelo crime de abuso de autoridade quem, no exercício de sua função, reagir de modo autoritário a críticas e opiniões que não constituam excesso intolerável do direito de livre manifestação do pensamento.
Abuso de poder
O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que ficou vencido no julgamento, votou pela concessão do Habeas Corpus para afastar a imputação penal por desacato. O magistrado destacou que o Brasil assinou em 1992 a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) e que a tipificação do desacato como tipo penal seria contrária ao pacto por afrontar a liberdade de expressão.
Para o ministro, eventuais abusos gestuais ou verbais contra agentes públicos poderiam ser penalmente responsabilizados de outra forma, e a descriminalização do desacato não significaria impunidade.
Ao acompanhar o relator, o ministro Ribeiro Dantas — que foi relator do caso julgado em dezembro pela 5ª Turma — afirmou que não se deve impor uma blindagem aos agentes públicos no trato com os particulares.
Ele disse que o Judiciário gasta muito tempo e dinheiro para julgar ações por desacato, muitas vezes decorrentes do abuso do agente público que considera como ofensa a opinião negativa do cidadão. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
HC 379.269
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2017.
Defensoria pede súmula ao STJ contra prisão de quem não pode pagar fiança
O Superior Tribunal de Justiça tem recebido pedidos para criar uma súmula contra a manutenção de custódia cautelar baseada apenas na falta de pagamento de fiança. Desde fevereiro, a Defensoria Pública de São Paulo passou a sugerir a tese no meio de requerimentos de Habeas Corpus, relatando a dificuldade de alguns presos juntarem o valor necessário para conseguir a liberdade.
Um homem suspeito de furtar quatro desodorantes, por exemplo, ficou quatro meses atrás das grades por ter deixado de pagar um salário mínimo (hoje em R$ 937). O juízo de primeiro grau fixou essa fiança em outubro de 2016, mas ele só conseguiu HC em fevereiro deste ano, com liminar do ministro Felix Fischer. Outro homem enquadrado por furto simples e porte de drogas poderia deixar a prisão se pagasse R$ 468,50. Sem dinheiro, aguardou dois meses encarcerado até decisão favorável do ministro Jorge Mussi, em abril passado.
Apesar das liminares, a Defensoria afirma que a súmula é necessária porque os casos não são isolados. Também considera manifesto constrangimento ilegal manter uma série de pessoas presas apenas por não desembolsarem o valor estipulado.
“Para fixar fiança, o juiz concede a liberdade provisória, mas condiciona esse exercício ao recolhimento. Isso significa que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva. Não faz sentido adiar o alvará de soltura, até porque as demais medidas cautelares substituem a prisão”, afirma o defensor público João Henrique Imperia Martini, coordenador do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores, que assina as propostas enviadas ao STJ.
Mais eficiente, segundo ele, é reconhecer a liberdade e fixar um prazo para o suspeito pagar a dívida ou se explicar quando não conseguir juntar o dinheiro. Para a soltura, Martini considera desnecessário inclusive exigir demonstração de impossibilidade financeira.
Mudança de rotina
Outra estratégia do núcleo é pedir que, ao editar súmula sobre o assunto, o STJ presuma a incapacidade econômica de quem é representado pela Defensoria Pública.
Martini diz que o Tribunal de Justiça de São Paulo já tem corrente majoritária afastando fiança para hipossuficientes, mas avalia que ainda é grande o volume de pessoas que ficam presas pelo fato de não terem dinheiro para recolhê-la, principalmente por meio de decisões durante plantões judiciários. “Estamos chegando à conclusão de que elas continuam presas por opção?”, questiona.
O cenário, afirma, contraria o artigo 350 do Código de Processo Penal, que trata da liberdade provisória dependendo da situação econômica do preso. O STJ, aliás, já tem precedentes afastando prisões quando o dispositivo não é seguido.
“A fiança, para o rico, é a salvação. Recolhe e é solto. Para o pobre é a desgraça, porque representa a manutenção da prisão se não conseguir pagar”, diz o defensor. Em muitos casos, segundo ele, familiares é que são punidos ao serem obrigados a fazer empréstimos e organizar “vaquinhas” para cumprirem a decisão.
Tese proposta:(i) As pessoas representadas pela Defensoria Pública gozam de presunção da incapacidade econômica para fins da isenção da fiança nos termos do art. 325, parágrafo 1º, inciso I cc. art. 350 do Código de Processo Penal;(ii) ou, ainda, (...) não ser possível a manutenção da custódia cautelar tão somente em razão do não pagamento do valor arbitrado a título de fiança, mázime quando se tratar de réu pobre, ex vi do art. 350 do CPP”.
Efeito colateral
O advogado e professor Roberto Delmanto Jr. afirma que a Lei 12.403/2011, criada com o objetivo de disciplinar medidas cautelares do CPP, acabou gerando uma espécie de comodismo em autoridades policiais e juízes, como se fosse possível manter pessoas presas sem necessidade de fundamentar a medida. Ele diz que nem só pobres vivem essa situação: o empresário Eike Batista deveria pagar R$ 52 milhões para continuar em prisão domiciliar, por exemplo.
Delmanto sente que já existe uma mudança de consciência em julgadores, mais atentos ao artigo 350 do CPP: “O juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória”. Sobre as propostas da Defensoria, o advogado entende que liberar a soltura de quem ainda não pagou fiança acabaria com o uso do instrumento, na prática.
O delegado e professor Ruchester Marreiros Barbosa, colunista da ConJur, relata ainda que um problema de redação na lei de 2011 acabou deixando mais pessoas atrás das grades: como o mesmo artigo 350 cita expressamente “o juiz”, a controvérsia é se a autoridade policial pode ou não aplicar o dispositivo para dispensar fiança.
Delegados que seguem o texto de forma literal, segundo Barbosa, podem fazer presos aguardarem mais de 15 dias por uma decisão favorável — tempo mínimo no qual o inquérito vai para o cartório judicial, segue para o Ministério Público e vira denúncia.
Ele é contra uma posição tão restritiva. “Não ignoro o artigo, mas aplico de forma isonômica. Nosso papel é de reproduzir o modelo econômico ou garantir direitos fundamentais?”
O delegado considera “interessante” a proposta de súmula da Defensoria, mas entende que presumir a hipossuficiência de todo representado pela instituição também pode ser um equívoco. O melhor caminho, para ele, seria agilizar a análise de cada caso.
Abuso de autoridade
Em 2013, a Defensoria Pública de São Paulo aprovou tese institucional declarando que a fixação de fiança deveria gerar imediata expedição de alvará de soltura. Segundo o texto, “condicionar a soltura ao pagamento da fiança é ilegal e, a rigor, constitui crime de abuso de autoridade”.
O defensor Bruno Martinelli Scrignoli, de Campinas (SP), usou o argumento ao solicitar HC a um homem desempregado suspeito de receptação, sem condições de pagar um salário mínimo. “Apenas duas são as hipóteses de prisão legal: i) prisão em flagrante e ii) prisão por ordem judicial fundamentada. No caso da pessoa presa pelo não pagamento da fiança, não há nem uma coisa, nem outra”, afirmou. O ministro Antonio Saldanha Palheiro concordou com o argumento, ainda em 2016.
Já o ministro Joel Ilan Paciornik, no dia 19 de maio, rejeitou liminar a um homem preso por furto tentado em abril, com fiança estipulada em R$ 940. Sem ver constrangimento ilegal “manifesto e detectável de plano”, o relator seguiu a Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, que coloca barreiras à análise de pedidos ainda não julgados por órgão colegiado nos tribunais inferiores.
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2017.
Estar sob efeito de drogas não isenta autor de furto, por estado de necessidade
Pessoas que cometem crime sob efeitos de narcóticos só deixam de ser punidas caso tenham ingerido a substância sem saber ou por força maior. Como não viu essa situação no caso analisado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenou um servente de pedreiro de Capão da Canoa (RS) que alegou ter cometido furto em estado de necessidade, por ser dependente químico.
Em agosto de 2013, o réu pegou a bolsa de uma pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em um restaurante de Caxias do Sul (RS). A bolsa continha um aparelho de propriedade do IBGE, R$ 1,2 mil e diversos documentos pessoais, conforme certidão da Polícia Federal. Os objetos não foram restituídos.
O Ministério Público Federal denunciou o homem à Justiça Federal de Caxias do Sul (RS), ele foi condenado a prestar um ano de serviços à comunidade. Em recurso ao TRF-4, a defesa alegou que o réu praticou o crime em estado de necessidade, pois furtou para custear seu vício, situação que exclui a ilicitude do fato. Além disso, argumentou que o servente não estava lúcido no momento que cometeu o delito.
Segundo a desembargadora federal Cláudia Cristina Cristofani, relatora do processo, para se reconhecer a inimputabilidade não basta a existência da dependência química.
“A isenção de pena aplica-se aos casos em que o agente esteja sob efeito da droga, mas somente quando seu uso tenha sido decorrente de caso fortuito ou força maior, não estando abrangidos os casos em que o agente faça o uso voluntário de substância entorpecente”, afirmou.
Para ela, não há prova nos autos de que o réu era incapaz de compreender o caráter ilícito do fato. O número do processo não foi divulgado. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2017.
segunda-feira, 29 de maio de 2017
Notícias Conectas | Maio de 2017
SUPERCASO |
Brasil responde à Corte Interamericana de Direitos Humanos com dados defasados sobre sistema prisional |
País apresentou dados defasados e subestimados, além de informações genéricas e insuficientes para rebater as suspeitas da Corte.
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MUDANÇA DE PARADIGMACom 20 vetos, nova Lei de Migração é sancionada pelo presidente Michel Temer
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AUDIÊNCIA INÉDITACIDH critica encarceramento massivo por crimes relacionados a drogas no país
Audiência aconteceu em meio à megaoperação policial realizada pela prefeitura e o Estado de São Paulo na região da Cracolândia.
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Ativistas de direitos humanos não conseguiram desconstruir entendimento equivocado sobre o tema, afirma a pesquisadora.
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Transparência no Comitê, que conta com Estados avessos à maior participação da sociedade civil, é demanda frequente de diversas organizações.
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ARTIGORevisão Periódica Universal do Brasil na ONU: Governo descolado da realidade
Em artigo para a Folha de S. Paulo, Juana Kweitel analisa as propostas demagógicas acenadas pelo Brasil diante da comunidade internacional.
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2017 - Conectas Direitos Humanos |
Procurador ameaça com processo pais de alunos que não assistirem sua palestra
Pais de estudantes matriculados em uma escola municipal de Dourados receberam carta para acompanharem palestra de um representante do Ministério Público de Mato Grosso do Sul sobre educação, sob pena de multa de até R$ 18,7 mil e processo por crime de abandono intelectual de menores de idade. A convocação diz que fica autorizada a falta no trabalho e usa os nomes do MP-MS, do governo do estado, da prefeitura e da Câmara Municipal.
O evento foi promovido nesta quinta-feira (25/5), no estádio municipal de Dourados, pelo procurador de Justiça Sérgio Fernando Harfouche, como revela reportagem do portal Justificando.
Ele criticou propostas de introduzir a chamada “política de ideologia de gênero” nas escolas e pediu que os participantes ensinassem seus filhos “que há um Deus soberano sobre todas as coisas”. Também declarou que “Jesus Cristo é o Senhor Dourados” e “vai governar Dourados como príncipe da paz. Amém”.
Harfouche reconheceu que o estado é laico, mas afirmou que a própria legislação brasileira o autoriza a falar de Deus, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente garante a todo jovem oportunidades de desenvolvimento espiritual, assim como físico, mental, moral e social. Ele ainda questionou a multidão se poderia citar Deus. Diante de resposta positiva da maioria, declarou: “Esta assembleia autorizou o procurador a falar em Deus, para ninguém me processar depois”.
Sobre o debate de gênero na escola, o procurador disse que esse é assunto para dentro de casa. “Eu ponho filho na escola para fazer ler, escrever, fazer conta e pensar. Não é para discutir a identidade dele não. Eu estou falando de identidade de gênero é se meter na identidade do filho. Quantos repudiam identidade de gênero na escola, digam ‘Sim’! [esticando as mãos para o alto]”, exclamou.
O palestrante defendeu ainda o Projeto de Lei 3.136/2015, em andamento na Câmara dos Deputados, que busca obrigar escolas de todo o país a aplicarem atividades com fins educativos como penalidade posterior à advertência verbal ou escrita — inclusive práticas extracurriculares e de proteção ambiental.
Segundo o procurador de Justiça, a participação dos pais atendia ao artigo 129 e 249 do ECA, sobre deveres inerentes ao poder familiar. Quem faltasse sem explicar à escola ficaria sujeito a multa de 3 a 20 salários mínimos e poderia ainda responder a processo por crime de abandono intelectual, fixado no artigo 246 do Código Penal.
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul diz que não teve envolvimento, pois a iniciativa foi unicamente do procurador. Harfouche disse ao Justificando que o evento foi do MP-MS, com apoio de diversas promotorias da Infância e Juventude.
Veja trechos da palestra:
Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2017.
sexta-feira, 26 de maio de 2017
DNA também é usado para evitar condenação de inocentes, diz perito do INC
Para o perito criminal federal Guilherme Jacques, integrante da Sociedade Brasileira Ciências Forenses e do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (INC), a utilização de perfil genético feito a partir da coleta de DNA serve não só para apontar um criminoso, mas também para inocentar aquele que pode ser acusado injustamente por um crime. Ele foi o último participante a se apresentar no primeiro dia da audiência pública sobre uso de DNA para efeitos de investigação criminal, realizada nesta quinta-feira (25), no Supremo Tribunal Federal (STF).
Responsável pela criação do Laboratório de Genética Forense do INC e coordenador da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) do Brasil, Guilherme Jaques também trabalhou na regulamentação da Lei 12.654/2012, que permite a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal. Ele afirmou que a divulgação de perfil genético não expõe ninguém publicamente e apresentou o seu próprio na audiência pública, ressalvando que não faria o mesmo com seu telefone celular ou CPF. “Meu perfil genético simplesmente diz quem sou eu, é como um código de barras”, disse.
O perito lembrou que 80% dos inquéritos são arquivados por falta de provas ou por insuficiência de dados e observou que o DNA só pode ser usado quando há suspeitos para cruzamento informações. “Quando existe suspeitos é possível essa identificação, tanto para confirmar o autor de um crime quanto para descartar uma pessoa inocente, que está sendo acusada”, disse, lembrando que o primeiro uso forense de exame de DNA no mundo foi justamente para demonstrar a inocência de um réu confesso.
“O reconhecimento equivocado de criminosos é uma das principais causas de condenações de inocentes em todo o mundo”, afirmou o especialista, que usou como exemplo o caso do ator Vinícius Romão, que passou 16 dias preso após reconhecimento equivocado da vítima do roubo de uma bolsa e que só foi libertado após repercussão na mídia e mobilização de amigos que atestavam sua inocência, que levaram a polícia ao verdadeiro assaltante.
Maníaco do Anchieta
O perito lembrou também um caso anterior ao uso mais comum da técnica de investigação com exames de DNA, que foi o do "Maníaco do Anchieta", em Minas Gerais, na década de 1990, quando dois suspeitos foram presos com base em retrato falado. Nesse caso, um porteiro confundido com o maníaco ficou preso por 5 anos, mas os crimes continuavam ocorrendo. Foi quando um retrato falado levou a polícia a um artista plástico com feições semelhantes às do suspeito. Ele foi julgado e passou mais de 18 anos preso injustamente. Somente anos depois, descobriu-se o verdadeiro assassino em série.
Em defesa da criação e manutenção de um banco nacional de perfis genéticos e de uma legislação que permita saber quais pessoas farão parte desse cadastro nacional, o perito defendeu que esse banco também surte um efeito no sentido de inibir o crime, “porque a pessoa sabe que está cadastrada e sabe que a possibilidade de ser presa é muito grande”.
AR/EH
5ª Turma do STJ decide que "mula" do tráfico não integra organização criminosa
A pessoa que transporta drogas ilícitas, conhecida como mula, nem sempre integra a organização criminosa, de acordo com recente decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Por unanimidade, o colegiado mudou o entendimento que prevalecia entre os seus integrantes para entender que é possível reconhecer o tráfico privilegiado ao agente que transporta as drogas.
A decisão, embora não encerre as discussões que vinham sendo travadas nas duas turmas do STJ e nos tribunais de segunda instância, dá um importante norte e se alinha com a jurisprudência formada no Supremo Tribunal Federal sobre a condição do transportador de drogas (mula) em uma organização criminosa.
O relator do Habeas Corpus na 5ª Turma, ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas disse que, embora haja diversos julgados de ambas as turmas do STJ nos quais se afirme não ser possível o reconhecimento do tráfico privilegiado ao agente transportador de drogas na qualidade de "mula", “acolho o entendimento uníssono do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, no sentido de que a simples atuação nessa condição não induz, automaticamente, à conclusão de que o sentenciado integre organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento, estável e permanente, com o grupo criminoso, para autorizar a redução da pena em sua totalidade”. Em seu voto citou precedentes dos ministros do STF Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Ribeiro Dantas decidiu também reduzir a pena da condenada, uma mulher de origem africana, na fração mínima legal de um sexto, resultando na pena de 5 anos de reclusão e 500 dias-multa. “O conhecimento pela paciente de estar a serviço do crime organizado no tráfico internacional constitui fundamento concreto e idôneo para se valorar negativamente na terceira fase da dosimetria, razão pela qual o percentual de redução, pela incidência da minorante do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, deve ser estabelecido no mínimo legal, atento a especial gravidade da conduta praticada.” A ré foi presa em flagrante dentro de um táxi com pacotes de cocaína colados ao corpo, quando ia para o aeroporto.
A decisão é importante por registrar que é papel da acusação apresentar provas de que a “mula” tem ligação estável com a organização criminosa para ser reconhecida a associação do artigo 35, e não o contrário.
Discussão antiga
Conforme veio registrando nos últimos anos, o Anuário da Justiça publicou decisões de desembargadores tanto reconhecendo a mula como cooptada pela organização criminosa como também partícipe dela, recebendo então penas mais duras previstas na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
Na 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS), em 2016, dos sete desembargadores que a compõe apenas dois, Cotrim Guimarães e Wilson Zauhy, entendiam que, nas acusações de transporte de drogas, as “mulas” não fazem, necessariamente, parte da organização criminosa e podem ter suas penas reduzidas. Os demais integrantes da seção pensavam que o ato é feito de forma consciente e os réus já sabem que estão se envolvendo em atividades ilícitas. Nesses casos, embargos infringentes que pedem redução de pena vinham sendo negados, por maioria de votos.
Na 5ª Turma do mesmo tribunal, especializada em matéria penal, os desembargadores avaliavam caso a caso se réus que atuaram no tráfico de drogas como “mulas” integram a organização criminosa ou se agiram de modo ocasional, na função de meros transportadores. Neste caso, votavam pela manutenção da aplicação da causa de diminuição do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, no mínimo de 1/6 da pena-base.
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A matéria era divergente até na Procuradoria da República da 3ª Região, responsável pela proposição das denúncias. Segundo o procurador-chefe nos anos de 2013 a 2015, Pedro Barbosa, em declaração ao Anuário da Justiça Federal 2015, a Lei de Drogas deu liberdade muito grande ao julgador. O traficante que não integra organização criminosa e não tem antecedentes criminais pode ter a pena de 5 a 15 anos de reclusão diminuída de um a dois terços. Com isso, diz, há quem entenda que o mero fato de o “mula” existir já faz dele integrante da organização criminosa. Outros entendem que o “mula”, por ser contratado pela organização criminosa, não a integra. “É uma situação que cria muita insegurança jurídica para essas pessoas”, afirmou o procurador-chefe na ocasião.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a questão também gerou discussão. Era comum as turmas assumirem posições bem diferentes, gerando debates quando se reuniam nos julgamentos da 4ª Seção. Em 2013, a juíza convocada para a 7ª Turma Salise Monteiro Sanchotene admitiu ser rigorosa na questão do “mula”, mas no crime de contrabando. “Quem traz um caminhão de cigarros do Paraguai não pode ser confundido com um simples sacoleiro”, exemplifica.
Na 8ª Turma do TRF-4, desde 2012 não havia consenso se a pena deveria ser diminuída ou aumentada, já que o “mula” traficou sob promessa de pagamento, o que seria um agravante.
Em 2015, o desembargador Hélio Nogueira entendeu que a conduta não caracteriza baixo potencial lesivo e que, no caso analisado, não havia provas da coação moral ou do estado da necessidade alegados pela defesa. “Tanto a coação moral irresistível como o estado de necessidade devem ser comprovados por meios seguros, que demonstrem a presença de todos os seus elementos caracterizadores, não podendo ser reconhecidos com fundamento em meras alegações da defesa, como é a hipótese dos autos”, explicou o magistrado.
Dessa forma, Nogueira não atenuou a pena e confirmou a condenação de duas mulheres acusadas de tráfico internacional de drogas a 8 anos e 7 anos e 6 meses de reclusão além de multa. Elas foram presas em flagrante com 9,6 kg de cocaína escondidas no forro de suas malas logo após cruzarem a fronteira Bolívia-Brasil.
Revista Consultor Jurídico, 25 de maio de 2017.
Coleta de DNA de criminosos é avanço na investigação forense, dizem especialistas
A coleta de DNA de condenados por crimes hediondos ou de natureza grave contra a pessoa não fere o direito à privacidade nem o princípio da não autoincriminação, além de representar um avanço nas técnicas de investigação forense. Esses foram os principais argumentos apresentados por especialistas em audiência pública feita pelo Supremo Tribunal Federal, na manhã desta quinta-feira (25/5), para discutir aspectos técnicos da extração obrigatória de DNA para manutenção de um banco nacional de perfis genéticos previsto na Lei 12.654/2012.
A audiência, que continua nesta sexta-feira (26/5) e conta com a participação de especialistas de vários países, foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator de recurso, com repercussão geral reconhecida, em que a defesa de um condenado alega ser inconstitucional a coleta do material genético. Entre outros argumentos, o recurso sustenta que a medida viola o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
De acordo com a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, os debates possibilitarão que o tribunal tenha “acervo de informações necessárias para que haja um julgamento mais célere e mais fecundo sobre um tema da maior gravidade, da maior seriedade, que é a identificação e armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou hediondos”.
No encerramento do encontro desta quinta, Gilmar Mendes destacou a relevância o tema. “As informações aqui trazidas foram extremamente importantes. É uma decisão que terá efeito sobre outros casos em tramitação no Brasil. E certamente todas as contribuições serão de muito valor para a avaliação que o tribunal fará criteriosamente sobre a questão em julgamento”, disse.
O perito criminal Douglas Hares, do Federal Bureau of Investigation, explicou como funciona o banco de dados com informações genéticas de condenados e detidos nos Estados Unidos. Segundo ele, nos anos 1980, o exame de DNA se tornou muito popular nos EUA e vários estados aprovaram leis para permitir a coleta de amostras do material genético de suspeitos de crimes. O FBI, então, reconheceu a importância do assunto e iniciou um projeto para que houvesse a troca dessas informações pelos estados.
De acordo com Hares, em 1994 foi editada uma lei federal que permitiu estabelecer um banco nacional de dados. Ao longo do tempo, segundo o perito, foram sendo criadas medidas para garantir a privacidade das pessoas, como a obrigatoriedade de que apenas os investigadores possam compartilhar as informações. Ele afirmou que a Justiça dos EUA já considerou constitucional o banco de dados. O entendimento é de que o DNA é uma evidência física e que não se trata de autoincriminação.
Já a ativista norte-americana Debbie Smith defendeu a importância do uso de exames de DNA para identificação de criminosos. Ela é fundadora da organização Hope Exists after Rape Trauma. Ela relatou, muito emocionada, os momentos de terror que viveu quando um criminoso invadiu sua casa de madrugada e a raptou e estuprou. Lembrou dos seis anos e meio de apreensão e medo de vingança contra si e sua família que viveu até o criminoso ser identificado por meio de exames de DNA e preso.
“Juízes, saiam de sua posição de magistrados e pensem um pouco como pais, filhos e maridos”, disse. Segundo ela, 8 de cada 10 criminosos são identificados com o uso do material genético na investigação. “Assim como as impressões digitais, o DNA ajuda a identificar as vítimas de estupro. As vítimas desse crime merecem o presente que eu recebi.”
Ingo Bastisch, perito do Departamento Federal de Polícia Criminal da Alemanha, lembrou durante sua participação que o uso do registro do DNA é bastante usado nos países europeus e bem aceito no processo criminal. Afirmou também que o uso mais extensivo do DNA pode prevenir crimes. “O banco é uma ferramenta de investigação criminal.”
Ele afirmou que as amostras não podem conter o nome da pessoa que teve o material coletado, apenas as iniciais. “O banco está conectado ao histórico policial da pessoa. Se a ficha é encerrada, o banco de dados é apagado também”, disse. Bastisch disse que a análise de DNA já foi considerada constitucional pelo Judiciário alemão.
Investigação criminal no Brasil
O advogado João Costa Ribeiro Neto, representante da Academia Brasileira de Ciências Forenses, foi enfático em relação ao papel do STF nessa discussão. “Fala-se muito mal do Congresso Nacional, mas, nesse caso, a lei é impecável e fruto de longo debate. Esta decisão tem potencial de promover uma revolução na forma que entendemos a investigação criminal no país.”
Segundo ele, “crimes terríveis” foram solucionados graças ao banco de perfis genéticos. “O Congresso deu um passo à frente. Espera-se que o STF não dê dois passos atrás.”
A identificação criminal é feita rotineiramente, e a coleta de DNA é apenas mais uma forma de identificação, sem nenhum tipo de invasão de privacidade, argumentou o perito criminal Guilherme Jacques. Além disso, o uso indevido do banco é considerado crime, de acordo com a lei aprovada em 2012.
Como exemplo de eficiência no cruzamento genético promovido pelo banco em investigações, ele citou um caso que ocorreu em março deste ano, quando a Polícia Militar de Minas Gerais prendeu o cantor gospel Renato Bandeira, de 30 anos, em Belo Horizonte. Ele era acusado de ter estuprado uma mulher na capital mineira. Após ser detido, teve o DNA coletado e, com o cruzamento, concluiu-se que ele também seria o responsável por cinco crimes da mesma natureza cometidos no DF, em 2014, na região entre Taguatinga e Águas Claras.
Segundo Jacques, o caso não teria sido solucionado não fosse a lei de 2012. Ele também salientou que o banco diminui os riscos de se condenar um inocente, muitas vezes apontado como culpado baseado apenas em retrato falado, o que é muito menos eficiente do que a comparação genética. “Não basta direito de intimidade, privacidade. É preciso levar em consideração o direito à vida, à segurança e proteção de inocentes. Não existe pior atentado em um estado que se diga democrático de direito do que a condenação equivocada de uma pessoa”, disse.
RE 973.837
Revista Consultor Jurídico, 25 de maio de 2017.
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