sexta-feira, 12 de abril de 2013

A prescrição no processo penal em debate

As declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, em defesa de novas regras de prescrição no processo penal no Brasil desencadearam uma discussão jurídica antiga, principalmente entre advogados de defesa e promotores de Justiça. O ministro defende que a prescrição deveria existir somente até o momento da abertura da ação.
 Hoje, conforme a Cons­tituição Federal, apenas dois crimes são imprescritíveis: o de racismo e o de ação de grupos armados civis ou militares contra o Estado. Segundo o Código Penal, em regra geral, todos os outros crimes podem prescrever de duas maneiras: pelo decurso do tempo para se exercer a pretensão punitiva, ou seja, antes do julgamento do mérito; e pelo decurso do tempo para se exercer a pretensão executória, que ocorre a partir da decisão condenatória transitada em julgado.
Como exemplo há o caso do mensalão. O crime de formação de quadrilha, no qual foram enquadrados alguns dos envolvidos, acabou prescrito, já que, até o julgamento, a prescrição é calculada sobre a pena máxima prevista – neste caso, de três anos, com prazo de prescrição de oito anos. Porém, a partir do momento em que há uma decisão condenatória, a prescrição é calculada com base na pena imposta, que, neste caso, foi menor que a máxima, fazendo com que alguns réus ficassem impunes mesmo sendo condenados.
Outro exemplo citado pelo próprio ministro é o de magistrados da Justiça Militar de Minas Gerais que deixaram prescrever 274 de 331 processos. Mesmo com essa ideia de impunidade, há quem discorde da posição do ministro, defendendo que a prescrição nem sempre é benéfica para o réu. Nesta edição, o caderno Justiça & Direito apresenta quatro posições – contrárias e favoráveis à revisão das regras prescricionais – com seus respetivos argumentos.
É preciso mudar
De acordo com o promotor de justiça Rodrigo Chemim do Ministério Público do Paraná (MP-PR), as regras prescricionais brasileiras possuem falhas e destoam das de outros países. “O Brasil tem um conjunto de normas muito benevolente e espaçado”, afirma. “A prescrição é um instituto necessário dentro do sistema penal, mas nossa lei conta com defeitos incomuns que não se repetem em nenhum lugar do mundo”, observa o promotor Fábio Guaragni, também do MP-PR.
Um desses problemas, segundo Guaragni, é a previsão de prescrição retroativa, que, apesar de parcialmente extinta com uma lei de 2010, ainda pode ser aplicada entre o recebimento da denúncia e a sentença. “A legislação assegura prazos certos, mas, no caso da prescrição retroativa, o prazo é calculado com base em um evento futuro e incerto, em uma condenação que você não sabe qual é”, diz.
Os promotores defendem também mais momentos de interrupção no prazo prescricional, seguindo o modelo de outros países. “No modelo alemão, por exemplo, citação, mandado de busca e apreensão e de prisão cautelar são outros motivos que interrompem a contagem do prazo”, aponta Guaragni. No Brasil essa interrupção ocorre quando a denúncia é recebida e com a sentença condenatória e, em caso de júri, com a sentença de pronúncia. Depois, há ainda outras interrupções previstas para a prescrição executória.
Segundo os promotores, o Estado revela desinteresse em punir – fundamento principal da prescrição penal – justamente quando a ação está parada, o que aponta a necessidade de mais momentos interruptivos do prazo prescricional. “Cada vez que o Estado se movimenta está reafirmando seu interesse punitivo e, em vários momentos em que o Estado se movimenta, não se retoma o lapso prescricional”, explica Chemim.
Outro problema que envolve as regras prescricionais brasileiras, segundo Guaragni, é a adoção da mesma tábua de prazos na pretensão punitiva e na executória. “O Estado tem mais interesse em punir quando dá a condenação do que quando recebe a denúncia, mas o prazo acaba ficando menor para a execução da sentença, já que a prescrição é calculada pela pena estipulada e não mais pela máxima.”
 O mito que precisa ser descartado
A presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB e professora de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Pontifícia Univerdidade Católica do Paraná (PUCPR), Priscilla Placha Sá, discorda da necessidade de revisão das regras prescricionais no Brasil defendida pelo ministro Joaquim Barbosa. “O mito que precisamos descartar é que réus e advogados trabalham com a prescrição. O réu também quer uma satisfação sobre o processo dele”, aponta.
Para defender essa posição, a especialista cita o homicídio do bancário Afrânio de Lemos, conhecido como o “crime do Sacopã”, ocorrido no Rio de Janeiro na década de 1950. Na ocasião, o tenente Alberto Jorge Bandeira, namorado de Marina Andrade Costa, que teria um caso com o bancário, chegou a ser condenado pelo crime. Porém, depois de 20 anos, o Supremo acabou invalidando a decisão do primeiro júri.
“Mas, depois de tanto tempo, a carreira dele já havia sido toda impactada, pois os militares envolvidos em processos criminais não podem ser promovidos”, conta. Por conta disso, depois da sentença revertida, o tenente Bandeira, que já havia se aposentado, acabou reintegrado à corporação e teve de receber todo o dinheiro correspondente às promoções retroativas a que tinha direito.
“É um mito pensar que a prescrição é uma coisa boa para a defesa ou que a defesa se vale dela. Nesse caso, será que a família da vítima podia ter ficado sem resposta? Se o tenente Bandeira fosse absolvido antes, dava tempo de a Justiça ir atrás do verdadeiro criminoso e, mesmo condenado, ele poderia ter cumprido a pena, dando uma satisfação mais rápida à Justiça”, complementa Priscilla.
O professor de Direito Penal da PUCPR e advogado criminalista Rodrigo Sánchez Rios concorda com essa posição e acredita ainda que, da forma como estão estabelecidos, os prazos prescricionais brasileiros são suficientes para garantir a punibilidade. “A prescrição é um fator de estabilização das relações jurídicas e tem prazos longuíssimos em casos graves. Em outros casos, não há como dizer que há impunidade, pois temos outros instrumentos de reconciliação”, alega.
Problemas
Para os especialistas, a defesa de revisão das regras prescricionais brasileiras pode esconder outros problemas envolvendo a precariedade das condições das instituições do sistema de justiça criminal, seja pela capacidade de investigação da polícia, passando pelo Ministério Público, seja pela falta de celeridade nos julgamento e execução de processos penais.
“É um paradoxo defender uma justiça célere em alguns processos e para outros violar garantias e defender o tempo que for para sua conclusão”, diz Priscilla. “[A prescrição] não é um fator de impunidade, é o Estado que precisa se aparelhar, ter melhor estrutura, mais eficácia e tecnologia, mas sempre respeitando o decurso do tempo”, complementa Rios.

Fonte: KATNA BARAN - Gazeta do Povo

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