Por curiosidade, interesse em aprender ou inquietação, durante toda minha vida visitei tribunais nos diversos países em que estive. A primeira foi em 1982, a última em 2013. Foram mais de 30: de Cortes Supremas a pequenos fóruns do interior, não abri mão de uma só oportunidade. Colhi disto as mais diversas experiências. Algumas visitas foram feitas em grupos, tudo preparado. Outras como mero turista. Perdi alguns city tours, mas ganhei bastante em termos de conhecimento. Face ao inusitado da experiência, resolvi relatá-la aos leitores.
Em 1982, passeando em Punta del Leste (Uruguai), deparei-me com o fórum local. Uma casa bem construída, uns 10 funcionários dentro, editais na parede anunciando as mesmas coisas que comunicam no Brasil. O que mais me impressionou foi a churrasqueira do lado de fora. Bonita, limpa. Pensei comigo: “este pessoal sabe viver, mesclar as coisas”.
Da simplicidade deste fórum interiorano, de uma cidade à época bem menor, passei à suntuosidade do palácio da Corte de Cassação da Itália, em Roma. Na frente do lindo edifício, estátuas dos grandes juristas do Império Romano. Nos corredores, tapetes, tudo bem cuidado. Nas salas de sessões, o teto tinha pinturas dignas dos grandes mestres. Elegância e refinamento. Frequentei a biblioteca da Corte por um bom período.
Em outro estilo, mas lindo da mesma forma, pareceu-me o Tribunal de Justiça de Mérida, no México, próximo de Cancun. O clima é muito quente e por isso o tribunal é feito em mármore de cor branca, arquitetura leve. Seu presidente não usa terno, mas uma camisa branca de mangas compridas, bolsos grandes, chamada guayabera. Os servidores se vestem com um uniforme leve, saia ou calca marrom e camisa creme, com o crachá de identificação. No andar térreo, um espelho d’água de uns 50 metros, ladeado por uma arquibancada de três degraus. Ali, as pessoas descansam ou aguardam audiências.
No fórum de Curaçao, ilha do Caribe pertencente à Holanda, colhi inusitada experiência. Esperei uns 20 minutos para poder entrar, uma burocracia jamais vista, e, então, uma servidora me mostrou o prédio. A sala de lanches dos juízes era de uma simplicidade franciscana, uma mesa muito simples e dois ou três quadros com fotos na parede. A senhora levou-me a um juiz e, para minha surpresa, ele me recebeu em pé e apenas por uns cinco minutos trocamos algumas palavras. Azar dele, perdeu um amigo no Brasil.
No Caribe, visitei a Corte Ambiental de Trinidad Tobago. Recebido pela juíza, extremamente receptiva, pude examinar as dependências limpas e bem estruturadas daquele tribunal especializado. O pais é rico, produz petróleo. O problema do Tribunal Ambiental, no entanto, era curioso: a pequena quantidade de processos.
Em Nova Délhi, Índia, fiquei impressionado com o tamanho da área de tribunais.. Mais ainda ao ver onde ficavam os advogados que acompanhavam processos na Corte Superior. Eram mais de 100, todos de beca, em um pátio. As advogadas tinham um local próprio, separado. Na porta do gabinete de cada desembargador, um funcionário vestido de túnica, com um turbante na cabeça, zelava pelo ingresso dos que chegavam e bateu-me continência respeitosamente. No Tribunal Superior de Jaipur, um elegante prédio do século XIX, impressionou-me o museu, com relatos de processos do tempo da dominação inglesa. Mais ainda, quando, almoçando na sala dos magistrados, ouvi um sonoro arroto, dado por um deles. O fato não constitui falta de educação. É hábito local.
Em Sydney, Austrália, estive no Tribunal Ambiental, o primeiro do mundo, criado em 1979. Impressionei-me como respeito dos advogados, que ao entrar na sala de sessões curvavam-se respeitosamente diante do juiz. Impressionei-me ainda pelo fato de não existir um processo. Na verdade, todos iam com uma mala de rodinhas e nela estavam todas as peças dos autos, que eles exibiam em sustentação oral. Em Auckland, Nova Zelândia, também conheci o Tribunal Ambiental. Passava um clima de organização, respeito e eficiência. O destaque era ser itinerante. Sempre que necessário, seus juízes julgavam nos locais dos conflitos, em outras cidades.
E por falar em sustentação oral, ela não existe no Uruguai. Visitando a Suprema Corte, que tem apenas cinco ministros, constatei que a tônica é a simplicidade. Não usam toga e julgam em uma mesa, onde discutem o caso e prolatam a sentença. Na Argentina, em visita à Corte Superior da província de Salta, na companhia de Eugenio Zaffaroni, ministro da Corte Suprema, fiquei impressionado com a reverencia dos servidores, que à sua passagem ficavam em posição de sentido.
Em Tel Aviv, Israel, tomei conhecimento de que causas de família e sucessões eram julgadas por um Tribunal Religioso. No Peru, fui informado que o prédio da Suprema Corte, cuja arquitetura destoa do resto da cidade, era uma cópia de um Tribunal da Suécia. Em Palermo, na Sicília, Itália, pude sentir, no lindo prédio que abriga o Tribunal de Apelação, as cautelas que acompanham um juiz ou promotor anti-máfia. Enquanto conversávamos, dois seguranças armados ficavam em permanente alerta, olhando para todos os lados.
Na África, visitei em 2002 a Corte Constitucional em Johanesburgo. Ao ouvir, de alguns de seus membros, relatos dos tempos de apartheid saí muito bem impressionado com a solução dada aos conflitos: a conciliação em julgamento nos quais as vítimas queriam apenas um pedido de desculpas.
Em Bogotá, Colômbia, tive uma experiência inusitada. Apresentei-me na portaria e disse, em um portunhol dos mais sofríveis, que era presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil. A senhora empertigou-se e me levou direto à sala do presidente da Suprema Corte. Depois de alguns minutos, percebi o equívoco. Ela achou que eu era o presidente do STF do Brasil. Deixei tudo claro ao presidente, magistrado Jaramilo, que foi extremamente atencioso.
Em Cuba, visitei juizados de 1ª instância e a Suprema Corte de Justiça. As instalações são de muita simplicidade. Os ministros valem-se das publicações de doutrina em artigos da internet, pois não se encontram obras doutrinárias. A sala de sessões de julgamento tinha móveis centenários, de cor escura, possivelmente dos tempos da colônia. Apesar das dificuldades, o magistrado que me recebeu (já éramos amigos de congressos) estampava muita alegria no que fazia.
No Panamá, conheci uma Suprema Corte moderna, bem estruturada, com decisões progressistas. Em El Salvador fiquei mais impressionado com o receio de que eu sofresse algo no trajeto para a corte do que com ela propriamente. Ao que parece, em 2006, havia certo risco ao apanhar um táxi.
Na França, impressionou-me a elegância do prédio, das instalações, das pessoas, no Tribunal de Paris. Advogados públicos atendem as pessoas carentes de beca. Em Limoges, conheci a Corte de Apelação e o Tribunal do Contencioso Administrativo, revelando-se este bem mais modesto. Pensei logo que os orçamentos deveriam ser diferentes.
A Suprema Corte de Justiça do Reino Unido, com sede em Londres, é simples e elegante a um só tempo. Guias turísticos exibem-na aos interessados. Cada ministro (justice) tem apenas uma secretária e um assessor.
Nos Estados Unidos, visitei dezenas de tribunais. Desde a 1ª instância, em Nova York, que estranhamento leva o nome de Tribunal Superior de Justiça, até a venerada Suprema Corte, em Washington, D.C. Mas o melhor è começar por Williamsburg, Viriginia, onde um tribunal do século XVII exibe julgamentos simulados daquela época. Na Corte Suprema vi um julgamento em que os ministros pediam, diretamente, esclarecimentos aos advogados. Sentam-se em linha horizontal e decidem em uma sala localizada atrás da sala de sessões. No edifício há uma pequena loja que vende livros, chaveiros, canetas e uma série de coisas alusivas à Corte.
Na Holanda, visitei a Suprema Corte, discutindo um Código de Ética Internacional, em encontro promovido pela ONU. Simples, limpa e bem estruturada, passava a impressão de eficiência. Terminada a reunião, o presidente comunicou que os presentes estavam convidados para um jantar, mas que ele era restrito, sendo vedado levar esposa ou outro acompanhante, porque não havia verba para tanto. Ao sairmos, o Secretário-Geral apanhou sua bicicleta, despediu-se e saiu pedalando.
No Tribunal de Dubai, Emirados Árabes Unidos, os advogados participam da sessão de julgamento na parte de baixo. Não há mesa nem uma tribuna para falar. Eles permanecem em pé, fazem anotações e fazem seus requerimentos sobre uma mesa em forma de meia lua. Réus de processos criminais ficam na mesma sala, porém separados por uma divisão de madeira ao lado direito do recinto. Não há Defensoria Pública para eventuais necessidades (são raríssimos os excluídos sociais) nem Ordem dos Advogados.
Finalmente, a Corte Internacional de Justiça, em Haia. Prédio lindo, cercado por um lindo jardim. Entra-se por um saguão e sobe-se uma escada com ramificação para os dois lados. A sala de julgamentos fica nesse segundo andar e o ambiente inspira respeito. O currículo dos seus juízes impressiona. Outros ainda poderiam ser citados. Suprema Corte de Justiça do México, do Chile, Tribunal no Paraguai, Juizado Criminal em Portugal e Suprema Corte da Venezuela. A lista tomaria folhas.
De tudo o que foi dito, eu sintetizaria dizendo que não podemos perder uma oportunidade de acrescentar algo à nossa formação. Seja lá onde estivermos, se for possível, devemos aproveitar a oportunidade para conhecer e, quem sabe, fazer uma nova amizade. E claro, precisamos contar com uma heroica dose de tolerância de quem nos acompanha, sob pena de retornarmos ao Brasil e recebermos a citação inicial para uma ação de divórcio.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2014
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