Em vigor desde julho de 2012, a Lei 12.683, que alterou a antiga Lei de Lavagem de Dinheiro — a Lei 9.613/1998 — para tornar mais eficiente a persecução penal no caso de crimes de lavagem de dinheiro ainda não mostrou a que veio. Na opinião de advogados, o texto da norma é subjetivo e não permite uma aplicação homogênea. A principal crítica é a exclusão do rol de crimes antecedentes para que fique configurada a lavagem de valores de origem ilícita.
“É uma lei ruim, uma antítese de lei, pois gera insegurança. Cada um entende do jeito que quer”, afirma o criminalista Fábio Tofic Simantob, presidente da comissão de assuntos penais do Movimendo de Defesa da Advocacia (MDA) e sócio-fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. O advogado Rodrigo Dall'Acqua, do Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua & Furrier Advogados, concorda. “A lei gera uma banalização do crime de lavagem a partir do momento em que estende o rol dos crimes evidenciados”, diz. O artigo 1º da norma excluiu a lista taxativa de crimes antecedentes. “A lei cria uma situação desproporcional e paradoxal. Não há mais necessidade se provar o crime antecedente de processar o cidadão. É possível ser condenado sem ter efetivamente cometido o crime”, critica Dall'Acqua.
No entender de Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito da Universidade de São Paulo e ex-secretário da Reforma do Judiciário, a lei não trouxe qualquer inovação e será entendida aos poucos. Ele ressalta que há pontos a serem contestados, como o artigo 17-D, que diz: "Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno". Para o criminalista, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, esse ponto da lei é inconstitucional.
O dispositivo já é alvo de Ação Direta de Insconstitucionalidade ajuizada no Supremo Tribunal Federal pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). De acordo com a entidade, o artigo usurpa funções privativas do Ministério Público e do Judiciário e fere regras constitucionais que determinam que ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal e que garantem o contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e a inafastabilidade da jurisdição.
“Para que alguém possa ser afastado de seus bens — o exercício do cargo público é um bem jurídico do servidor que o titulariza —, é necessário que tenha existido um processo administrativo ou judicial no qual se lhe tenha assegurado um mínimo de contraditório e ampla defesa”, destaca a associação na ação.
Bancos fiscais
Na última quarta-feira (27/3), o Banco Central colocou em prática determinações da nova Lei de Lavagem e incorporou regras internacionais exigidas pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi), integrado por 34 países. A partir de agora, os bancos terão de informar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, não só a existência de operações que normalmente são consideradas atípicas, mas também aquelas que não se enquadram nos parâmetros, mas são consideradas suspeitas pela instituições financeiras. Caso o banco não se pronuncie sobre alguma suspeita, ao fim do ano o BC entenderá que ele se responsabilizou por todas as operações.
Os bancos que durante um ano não repassarem qualquer informação ao Coaf terão de fazer uma comunicação, ao fim do período, para confirmar a não ocorrência dessas situações.
Entre as novas exigências está a obrigatoriedade de comunicação prévia do cliente ao banco, com um dia útil de antecedência, para saques em espécie de valor igual ou superior a R$ 100 mil. A mesma regra vale para transferências ao exterior, a título de doação, igual ou acima dessa mesma importância.
Delação pressionada
A terceirização da atividade de fiscalização pelo Ministério da Fazenda a bancos, empresas e pessoas físicas gerou recente embate entre o Coaf e a Ordem dos Advogados do Brasil. A nova lei obrigou prestadores de serviços de “assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza” a também informar ao órgão qualquer suspeita de dinheiro oriundo de origem ilícita. A nova obrigação colocou contra a parede advogados de réus acusados de lavagem, que, dependendo da interpretação da norma, acabariam obrigados a delatar os próprios clientes. Em janeiro, no entanto, o Coaf publicou a Resolução 24, que determinou que profissões regulamentadas se submeteriam a seus órgãos de classe, que definiriam se a regra se aplicaria a elas ou não. Em agosto do ano passado, o Plenário do Conselho Federal da OAB já havia decidido que a nova lei não obrigava seus filiados.
Para o advogado Roberto Garcia, não é possível obrigar o advogado a delatar um cliente. “Em nossa profissão, não pode existir a figura do delatar. Nenhum advogado pode ser obrigado a delatar ninguém.”
“A regulamentação deixa expresso que os advogados não estão inclusos nessa lei. Profissões reguladas não estão sujeitas a essas regras, como é o caso do advogado e do médico”, exemplifica Fábio Toffic.
O advogado Fernando José da Costa concorda. “A Resolução do Coaf sacramentou a questão ao, em seu artigo 1º, determinar o alcance de disposições contidas na lei. O advogado, estando sujeito à Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que regula a profissão, estaria excluído do que preceituam a lei de lavagem e a resolução”, confirma.
No entendimento do criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, não é a resolução, mas a definição da OAB que dispensa a obrigação. “A resolução não resolve a situação da advocacia. Ela não impõe a obrigação ao advogado, mas também não o desobriga”.
Para Toffic, a exigência de delatar o cliente acabaria com a profissão do advogado. “Se a norma nos atingisse, a atividade de consulta ao advogado não existiria mais.” Segundo ele, há hoje um movimento no qual a segurança das pessoas ganhou um relevo muito grande e, com isso, tenta-se flexibilizar garantias. “Flexibilizar é uma ilusão. Estão diminuindo os direitos em busca de uma suposta maior seguranaça. Esse é apenas um emblema para o enfraquecimento da advocacia”.
Na opinião de Toffic, a discussão foi usada para se tentar enfraquecer o exercício da profissão. “Há pessoas que se aproveitam para atacar a advocacia, para tentar enfraquecer o exercício da profissão, acabar com o sigilo profissional”, critica. Para ele, assim como a imprensa, a advocacia é um dos pilares da democracia. “São profissões que incomodam e atuam para refrear o abuso do poder.”
*Notícia alterada às 14h do dia 3/4 para correção de informações
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de 2013
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