sexta-feira, 5 de abril de 2013

Juizados especiais não desafogam a justiça comum

Maior acesso da população ao Judiciário e aumento no consumo de massa fez com que a demanda pela resolução de conflitos particulares aumentasse, mas o aparato da justiça não cresceu na mesma proporção
Apesar de haver um certo consenso com relação à maior democratização ao acesso à justiça ocorrida após a implantação dos juizados especiais no Brasil, passados 18 anos desde que foi editada a primeira lei que regulamentou a sua existência, especialistas ainda fazem duras críticas a uma de suas principais funções que tem sido descumprida: a de desafogar a justiça comum.
E é fácil explicar: por ser o juizado especial uma forma de acesso mais simples à justiça, já que prevê a resolução rápida e eficiente dos conflitos, gratuitamente e, ainda, sem a necessidade de assistência de um advogado na maioria dos casos, parte da população que não tinha acesso algum ao Judiciário passou a tê-lo. “É uma lógica perversa. Na medida em que há uma democratização, aumenta o número de conflitos, e as pessoas percebem que o espaço para resolvê-lo é o Judiciário”, diz a pesquisadora e professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Luciana Gross Cunha.
 Para ela, esse aumento na demanda se deve ao fato de a população ter adquirido mais conhecimento sobre os próprios direitos desde a criação dos juizados e também ao crescimento econômico e, consequentemente, de consumo no Brasil. “O juizado especial não diminuiu o número de ações na justiça comum, ao contrário, ele aproximou mais a justiça da população, e o número de processos cresce a cada ano”, aponta.
Não apenas isso. O advogado e especialista em direito aplicado Albadilo Silva Carvalho acrescenta que os problemas de gestão, de julgamento e até mesmo de efetivação das decisões acabaram, com o tempo, sendo incorporados pelos juizados. “No início, não existia a quantidade de ações que existem hoje, principalmente relacionadas ao direito de consumo. As demandas de massa foram migradas para os juizados e essa avalanche gerou problemas”, acredita.
Gestão
Segundo o coordenador dos Juizados Especiais no Paraná, Helder Luís Henrique Taguchi, para garantir um bom funcionamento, os juizados possuem uma gestão diferenciada. “Seja pelo contato direto com o cidadão que procura os serviços, seja pela sua característica de buscar a conciliação e o acordo entre as partes, seja também pelo crescente número de ações”, diz.
Porém, a pesquisadora e professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Luciana Gross Cunha aponta que os juizados acabaram incorporando os mesmos problemas de gestão da justiça comum. “Em alguns estados, por exemplo, não há um juiz titular na vara de juizados especiais e, como auxiliares, acabam ficando pouco tempo na função”, aponta. Além disso, a produção “em série” gera conflitos nas próprias decisões, acredita o advogado e especialista em direito aplicado Albadilo Silva Carvalho. “O juiz titular acaba homologando decisões de leigos sem tempo, e não há a preocupação com o entendimento de determinados temas.”
Para amenizar situações como essas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, no dia 19 de março, que os juízes leigos tenham que prestar concurso público para assumir o cargo. Além disso, como conta Taguchi, a partir do segundo semestre deste ano, os conciliadores e juízes leigos do estado receberão capacitação contínua. Ele revela ainda que serão implantados mais postos avançados e juizados itinerantes em algumas cidades.
Julgamentos
Segundo Albadilo Silva Carvalho, o crescimento da demanda e do tipo de ações acobertadas pelos juizados especiais não foi acompanhado pela uniformização nas decisões. “As decisões em grau da Turma Recursal são as mais divergentes, por mais que existam entendimentos pacificados”, aponta.
Para ele, isso acaba gerando um problema de confiabilidade nas decisões. “É fundamental haver um consenso, que uma decisão proferida no Paraná tenha as mesmas argumentações que uma decisão do juizado especial do Rio de Janeiro, por exemplo. Sem isso, fica uma sensação de que lá a justiça é melhor ou pior”, diz.
Para haver essa padronização foram criadas as Turmas Estaduais Recursais de Uniformização, porém, poucos estados já as incorporaram no trabalho dos juizados. No Paraná, por exemplo, essa turma ainda não existe. Outro projeto de lei em andamento no Congresso Nacional prevê, ainda, a criação da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Estaduais.
Execução
A falta de efetivação das sentenças proferidas nos juizados especiais também é um problema apontado pelos especialistas. “Esse problema está no cerne do congestionamento do Judiciário brasileiro porque, às vezes, você consegue uma sentença favorável, mas não recebe o que deveria. Aí se cria também um problema de satisfação com relação à justiça”, diz a professora da FGV Luciana Cunha.
Para Albadilo Silva Carvalho, todos os problemas dos juizados refletem justamente na insatisfação das partes, sejam autores ou réus no processo. “As audiência cada vez mais não ocorrem no prazo estipulado. Isso gera um desgaste e até afasta a possibilidade de acordo”, aponta.
Soluções
O fortalecimento de setores da sociedade civil e das agências reguladoras é apontado pelos especialistas como a principal solução para o congestionamento de processos e outros problemas que norteiam os juizados especiais, tanto no âmbito estadual quanto no federal.
Para a professora da FGV Luciana Gross, outro recurso é criar sistemas paralelos ao Judiciário para a solução de conflitos. “O Judiciário é finito, possui problemas de orçamento, e o Estado não vai poder atender os novos conflitos que vão surgindo. Ele é uma das formas de solução de conflito, mas não a única”, diz. O advogado Albadilo Silva acredita que deve haver também uma adequação na lei que rege os juizados. “Principalmente para se adequar às demandas de consumo que geram 90% das reclamações nos juizados especiais estaduais, esse é o novo momento que o Brasil está vivendo”, finaliza.
Paraná em números

Confira alguns dados:

Juizados Especiais Estaduais do Paraná

- 245.104 novos casos em 2011 (5º maior em número de novos casos entre os estados)

- 186.737 dos novos casos são dos juizados especiais não-criminais e 58.367, dos criminais

- 644 novos casos para cada servidor do juizado (2º com o menor número de casos por servidor entre outros estados)

- 317.159 casos pendentes em 2011 (3º lugar entre os outros estados)

- No mesmo período, foram baixados 282.568 processos e proferidas 274.736 sentenças (5º lugar em número de processos baixados e sentenças proferidas entre os outros estados)

- Duração dos processos, em média, o prazo é de 45 a 90 dias entre a propositura da ação e a realização da primeira audiência.

- De 30% a 40% terminam em acordo.

- Quando não há acordo, a duração média do processo até a sentença é de 235 dias.

Juizado Especial Federal da 4ª região (PR, SC e RS)

- 351.915 novos casos em 2011 (2º maior em número de novos casos entre as cinco regiões)

- 350.414 novos casos são dos juizados especiais não-criminais e 1.501, dos criminais

- 148 novos casos para cada servidor do juizado (2º com o menor número de casos por servidor entre as cinco regiões)

- 456.912 casos pendentes em 2011 (2º lugar entre as cinco regiões)

- No mesmo período, foram baixados 380.048 processos e proferidas 329.148 sentenças (1º lugar em número de processos baixados e sentenças proferidas entre as cinco regiões)

Fonte: Relatório Justiça em Números 2011/CNJ e Juizado Especial do Paraná.

Fonte: KATNA BARAN - Gazeta do Povo

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog