Levanta-se o Ministério Público (MP) contra a Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, que confere a exclusividade da investigação criminal à polícia judiciária. Uma análise apressada do que dizem os promotores pode fazer crer que se trata de uma diminutio do poder de combate ao crime. Menos gente investigando, mais delitos.
Isso é falso. A PEC 37 em nenhum momento retira poder de investigação do MP – afinal, não se tira algo de quem nunca teve. A Constituição Federal, em seu art. 144, parágrafos 1.º e 4.º, afirma que a investigação criminal, exceto em caso de delito militar, é tarefa exclusiva da polícia judiciária, vale dizer Polícia Federal e polícias civis. O que a PEC vem fazer é justamente reforçar essa matéria já definida, uma vez que os promotores adentram ilegalmente em tal seara. Os eminentes constitucionalistas Ives Gandra e José Afonso da Silva já se posicionaram a favor da PEC 37: seus pareceres estão no site da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, como também a cartilha sobre o tema.
Nosso sistema constitucional é o de freios e contrapesos: missões típicas de Estado são divididas entre vários órgãos, dando mais lisura aos procedimentos e garantias sociais. Juiz julga, promotor denuncia, advogado defende, delegado investiga. Se o MP pode investigar, pelo princípio “quem pode o mais, pode o menos”, então o magistrado poderia oferecer a ação penal. Aliás, por que investigar é menos em relação a processar?
A investigação feita pelos “promotiras” não está regulada em lei, não havendo controle, ao contrário do inquérito policial, disciplinado no Código de Processo Penal com detalhes de conteúdo, formas e prazos. O indivíduo pode ser alvo de uma investigação sem se defender corretamente. A polícia investiga fatos, não pessoas; não busca um culpado, mas o culpado. O inquérito coleta provas de culpa e absolvição, sendo um procedimento republicano e transparente, justo o contrário das pretensões do MP. O inquérito não serve para subsidiar uma ação penal, mas para apurar a verdade. Lembre-se que a investigação é como um processo, sequência de atos lógicos para apuração da autoria e materialidade de um fato, culminando com o indiciamento ou não.
O MP, enfim, ao escolher quais crimes quer investigar, rechaça o poder-dever e adota o poder-querer, elegendo apenas as ações midiáticas. O que eles querem não é resolver os crimes, mas aparecer! Os adversários da PEC sustentam que ela impedirá as CPIs e devassas do Banco Central. Mentira! Apurações administrativas e políticas continuam permitidas. O que se evita é a investigação criminal, e isso tais instituições já não fazem hoje.
A falta de aparelhamento da polícia não é desculpa para refutar a proposta. Promotores também não dispõem de estrutura para brincar de polícia. Para que investiguem a contento, devem receber aportes financeiros. Não é mais fácil que esse financiamento seja dado a quem tem missão de investigar? Os promotores não conseguem sequer dar plena conta de suas próprias tarefas e querem cumprir algo que nós, delegados, já fazemos? Investigar não é produzir papel apenas. O promotor vai imiscuir-se em quadrilhas, meter o pé no barro, pedalar porta?
A investigação do promotor, por derradeiro, o torna suspeito, dado o interesse em acusar e buscar a condenação. A prova gerada por seu procedimento é viciada, violando o princípio da paridade de armas. A investigação deve ser conduzida por alguém que não tenha o interesse em condenar: o delegado de polícia.
Rafael Vitola Brodbeck, delegado da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, é autor de Lei de Drogas Anotada e Inquérito Policial. Instrumento de defesa e garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Gazeta do Povo. Opinião. Publicado em 02/04/2013
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