Jurisprudência Anotada
Penal. Porte ilegal de arma. Ausência de munição. Atipicidade. Não ocorrência.
“Para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo é irrelevante o fato de a arma encontrar-se desmuniciada e de o agente não ter a pronta disponibilidade de munição (...). Assentou-se que a objetividade jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade pessoal para alcançar a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. Enfatizou-se, destarte, que se mostraria irrelevante, no caso, cogitar-se da eficácia da arma para configuração do tipo penal em comento (...), porque a hipótese seria de crime de perigo abstrato para cuja caracterização desimporta o resultado concreto da ação” (STF - 1ª T. - RHC 90197 - rel. Ricardo Lewandowski - j. 09.06.2009 - DJe 04.09.2009 - ementa não-oficial).
Anotação
O crime de porte ilegal de arma de fogo, atualmente tipificado no artigo 14, do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), não entra no mérito dos casos em que a arma está desmuniciada ou a munição está longe do alcance do agente, não permitindo o seu carregamento para o pronto disparo. Por esta razão, muitos têm sido os posicionamentos de nossos Tribunais, em especial o da nossa Suprema Corte.
Cristalino exemplo de divergência sobre o tema, na mesma data do julgado em comento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, “deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor de denunciado pela suposta prática do crime de porte ilegal de arma de fogo, em razão de possuir, portar e conduzir espingarda, sem munição, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, uma vez que a “arma desmuniciada ou sem possibilidade de pronto municiamento não configura o delito previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003” (HC 97.811/SP, rel. p/ acórdão Eros Grau, j. 09.06.2009 – DJe 21.08.2009).
Deve-se analisar se a arma de fogo estava apta a gerar a violência que o legislador quis evitar, isto é, se o tipo penal realizou-se à luz do princípio da ofensividade. Diante da inidoneidade da arma de fogo para a produção do disparo, pela ausência de munição ou pela impossibilidade do seu pronto carregamento, a conduta do delito em análise é atípica, irrelevante penalmente.
Nesse sentido, pronunciou-se a mesma 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, fixando um marco histórico para a teoria do garantismo penal (RHC 81.057/SP, rel. p/ acórdão Sepúlveda Pertence, j. 25.5.2004, DJe 29.4.2004).
Deste modo, a jurisprudência ora anotada representa um patente retrocesso no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, ao menos na 1ª Turma daquela Corte. Fundamentando-se na teoria do crime abstrato, afastou os princípios da ofensividade, da disponibilidade, da proporcionalidade e do bem jurídico penalmente tutelado, arriscando os corolários libertários do Estado Democrático de Direito.
Ricardo Siciliano
Penal. Prescrição retroativa. Reconhecimento de ofício.
“Habeas Corpus - ato comissivo e ato omissivo - viabilidade. Se estiver presente ilegalidade, o habeas corpus é remédio próprio a atacar tanto ato comissivo quanto omissivo. Ação penal - prescrição da pretensão punitiva. O órgão julgador, ao assentar a culpa do acusado, impondo-lhe pena, deve examinar, independentemente de provocação, a prescrição. O silêncio a revelar ato omissivo desafia não só embargos declaratórios como também habeas corpus. Ação penal - pena - prescrição retroativa - Uma vez definitiva a pena fixada, havendo decorrido período superior ao lapso prescricional, considerados os fatos geradores da imputação e o recebimento da denúncia, cumpre concluir pela prescrição retroativa” (STF - 1ª T. - HC 95.563 - rel. Marco Aurélio - j. 23.06.2009 - DJe 21.08.2009 - ementa não-oficial).
Processo penal. Interrogatório. Possibilidade de formular perguntas ao corréu.
“Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito - fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV) - de formular reperguntas aos demais corréus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária recusa em lhe permitir a formulação de reperguntas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa”(STF - 2ª T. - HC 94.601 - rel. Celso de Mello - j. 04.08.2009 - DJe 11.09.2009 - ementa não-oficial).
Processo penal. Crime contra o sistema financeiro. Macrodelinquência. Falta de individualização da conduta. Denúncia inepta.
“A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal. Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinquência ou caracterizadoras de delinquência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (nullum crimen sine culpa), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do versari in re illicita, banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes. (...) Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita” (STF - 2ª T. - HC 84.580 - rel. Celso de Mello - j.25.08.2009 - DJe 18.09.2009 - ementa não-oficial).
Processo penal. Prisão preventiva. Fundamentação inidônea. Superação da Súmula 691 do STF.
“O indeferimento de liberdade provisória sob o fundamento de que a gravidade do crime justificaria a segregação cautelar do paciente afronta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Prisão cautelar que também não se justifica por conveniência da instrução criminal tendo em conta a necessidade da citação do paciente caso venha a ser ajuizada a ação penal. A Juíza não se desincumbiu de demonstrar de que forma o paciente poderia dificultar ou prejudicar a colheita de provas”(STF - 2ª T. - HC 97.998 - rel. Eros Grau - j. 23.06.2009 - DJe 21.08.2009 - ementa não-oficial).
Jurisprudência compilada por
Eduardo Augusto Velloso Roos Neto e Renato Stanziola Vieira
Eduardo Augusto Velloso Roos Neto e Renato Stanziola Vieira
Boletim IBCCRIM nº 203- Outubro / 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário