“É mais importante focar os recursos públicos na área de repressão para os grandes traficantes, para aqueles que organizam o tráfico, a lavagem de dinheiro. Prender os usuários e pequenos traficantes não faz sentido”. Esse é o entendimento do dinamarquês Bo Mathiesen, diretor representante do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) para o Brasil e Cone Sul, que defende que a aplicação de punições alternativas deve ficar a cargo do bom senso de cada juiz.
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"O juiz deve entender melhor todas as circunstâncias que levaram essa pessoa a cometer o crime, como se desenvolveu o movimento do traficante pequeno”, explicou, em entrevista a Última Instância. O diretor ainda lembrou que cabe a cada país implementar as convenções estabelecidas pelas Nações Unidas sobre o controle de drogas, de acordo com a lei nacional vigente.
Na última segunda-feira (26/10), o STJ (Superior Tribunal de Justiça) levou à Corte Especial o julgamento de uma arguição de inconstitucionalidade que, se acolhida, permitirá a aplicação de penas alternativas a pequenos traficantes —o que hoje é proibido por lei. O processo foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Ari Pargendler e ainda não tem previsão para ser finalizado.
Até agora, de acordo com o entendimento do ministro Og Fernandes, a proibição à conversão das penas prisionais pelas restritivas de direitos viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena e da proporcionalidade, não sendo essa uma chancela à impunidade.
Da mesma forma entende o criminalista Alberto Zacharias Toron, favorável à aplicação de penas alternativas. “Nos casos de menor gravidade, me parece perfeitamente possível que aquele que for pego com pequena quantidade de droga seja tratado de uma forma diferenciada daquele outro que integra uma organização criminosa e trabalha com grandes quantidades”, declarou.
Para o especialista em direito penal Luiz Flávio Gomes, o pequeno traficante tem que ter julgamento diferenciado. “Não se pode tratar duas pessoas, dois casos distintos, da mesma maneira”, disse. Segundo o penalista, “é razoável e muito correto [a aplicação de pena alternativa], pois a lei de drogas proíbe isso e, a princípio, essa proibição é inconstitucional, já que a pena deve ser proporcional à gravidade da infração e um pequeno traficante não oferece o mesmo perigo que um grande”.
De acordo com Toron, a pena alternativa funciona “quase como uma chance”, pois se o acusado for reincidente, será punido com pena de prisão. “Acho que o sistema joga assim, começa do mais brando para o mais forte, salvo os casos de muita gravidade”, avaliou o criminalista, reforçando que o Estado tem um “papel positivo na reinserção social” com a aplicação desse tipo de pena.
Conforme explicou Bo Mathiesen, o relatório anual sobre a questão das drogas, divulgado pela ONU recentemente, também abordou os aspectos do grau de penalidade para pequenos traficantes. A conclusão dos estudos recomendou aos países que este tipo de acusado deveria ser beneficiado com a oportunidade de se redimir socialmente por meio de medidas alternativas.
“Ao encarcerar uma pessoa jovem, que não participa de nenhuma formação de quadrilha, que é réu primário, não estava armado e não tem outros antecedentes com a Justiça criminal, vale mais a pena dar a essa pessoa uma chance, ainda que você deixe claro que a pessoa fez uma coisa errada, lembrando essa pessoa que se isso acontecer de novo vai haver uma conseqüência maior”, enfatizou o diretor do comitê especializado em drogas.
Projeto do governo
Nesta terça-feira (27/10), o ministro Tarso Genro afirmou ao jornal O Globo que está sendo preparado um novo projeto de lei para aumentar o peso das punições contra os grandes narcotráficantes, que segue o mesmo entendimento do processo em trâmite no STJ.
“Estou trabalhando para remeter um projeto ao Congresso até o final do ano. Eu defendo, por exemplo, que o microtraficante tem que cumprir penas alternativas, não ser jogado numa cadeia. E o regime de progressão para os traficantes verdadeiros e para os criminosos organizados deveria ser muito menos liberal do que é. Essas penas deveriam ser aumentadas”, disse Tarso.
Última Instância. 27/10/2009.
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