segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Artigo: Castração química: castigo ou tratamento preventivo?

A medida conhecida como "castração química" já é utilizada em seis estados norte-americanos (Califórnia, Flórida, Texas, Louisiana e Montana).
A Califórnia foi o primeiro estado a prevê-la como "pena" para os crimes sexuais.
A Espanha também já aprovou tal providência, mas não como pena, sim, como parte de um tratamento preventivo da delinquencia sexual.
A polêmica acaba de aterissar no Brasil. É grande a controvérsia. Temos problemas e questões jurídicas e éticas.

A massa da população punitivista irada ("bandido bom é bandido morto", "estuprador bom é estuprador castrado") certamente já está entrando em transe histérico e, sem sombra de dúvida, devotando integral apoio a todo tipo de castração, incluindo (por que não?) a física (tal como se fazia, por exemplo, na Idade Média).
De preferência a execução deve acontecer em praça pública, com transmissão direta pelas TVs. O carrasco se aproxima do criminoso com facão afiado na mão (talvez até algum livro religioso na outra), desferindo-lhe golpe certeiro que decepa o seu pênis e os escrotos, já devidamente colocados sobre uma mesa; sangue é jorrado para todos os lados, batendo inclusive nas lentes das filmadoras que estão captando todo o grotesco espetáculo, o réu está urrando como um leão; o evento ocupa as principais manchetes dos jornais (do mundo todo), o povo está gritando animalescamente e seu contentamento é praticamente insuperável. Frenesi geral e quase que incontrolável.
Essa não é propriamente uma "moderna" forma de prevenção da delinquência sexual (dirão seus seguidores), mas é eficaz. Vem da Idade Média (aliás, em tempos outros anteriores já se praticava a castração como castigo).

O grupo minoritário dos progressistas penais vai gritar contra qualquer tipo de castração, defendendo a impossibilidade de qualquer tipo de pena corporal, a violência que o método representa, a ofensa à dignidade da pessoa etc.

Tramitam hoje, no Congresso Nacional, dois projetos de lei que introduziriam a castração química no ordenamento jurídico brasileiro. São eles: PL 7.021/01 (Dep. Wigberto Tartuce) e PL 552/07 (Sen. Gerson Camata).

De acordo com o primeiro, claramente troglodita e jurássico, a castração química seria prevista como pena obrigatória aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Tal sugestão autoritária foi corrigida no PL 552/07, que a prevê como tratamento voluntário, alterando a sua denominação para supressão hormonal (sempre é preciso dourar a pílula!).

O debate prudente e equilibrado sobre o assunto não pode deixar de considerar o seguinte:
Primeiro: a castração jamais pode ser admitida como "pena" (como castigo, como sanção estatal). Está proibida no Brasil qualquer tipo de pena corporal. É ofensivo à dignidade do preso ou custodiado (ou condenado) ser obrigado a se submeter a qualquer tipo de pena que envolva intromissão no corpo humano.
De qualquer modo, se a moda pegar, dentro de pouco vão sugerir também a pena de decepar as mãos do corrupto ou do ladrão. Os parlamentares brasileiros, em sua grande maioria, correm o sério risco de perder as mãos!

Segundo: ninguém pode servir de cobaia, para qualquer tipo procedimento médico. Vale lembrar que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (do qual o Brasil é signatário desde 1992), proíbe, expressamente em seu art. 7º, qualquer tipo de experiência médica não devidamente testada, sobretudo com pessoa custodiada pelo Estado. É preciso, antes de tudo, que a castração química conte com estudos científicos incontestáveis.

Terceiro: outra importante indagação se impõe: qual seria o mecanismo de castração química adotado pelo Brasil? As normas norte-americanas prevêem, de forma expressa, o acetato de medroxiprogesterona, mas, não encontramos resposta nos projetos em tramitação no Brasil. Caberia, então, ao magistrado determinar o método? Dependeria ele de laudo médico?

Juridicamente não se pode impor a castração química contra ninguém. Seria uma medida da Idade Média, ofensiva à dignidade da pessoa humana, prevista como fundamento do modelo constitucional de Direito (CF, art. 1.º, III). Como parte de um tratamento voluntário, depois de liberado o sujeito, pode até ser admissível. Mas para isso necessitamos de um amplo e complexo programa de prevenção, que ainda inexiste no Brasil.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). www.blogdolfg.com.br

Fonte: O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 26/10/2009.

Um comentário:

Adriana Tavares disse...

Dr. Luiz Flavio Gomes, entendo que o termo correto para a castração química seria prevenção química para pedófilos e estupradores. O intuito do tratamento químico seria jamais uma pena, posto que o Código Penal já a prevê, mas uma complementação à sanção penal no sentido de reabilitá-lo à sociedade. No meu entender poderia se fazer a a intervenção química de maneira que o condenado, preso, pudesse ser, digamos, "beneficiado" pelo Estado para que não volte a dilinquir, posto que está em colisão dois Princípios Constitucionais: que proibe penas físicas ou morais ao condenado (Humanização) e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (da vítima). Em que pese o confronto dos princípios, entendo ser relevante, neste caso, a dignidade da vítima, posto que em número maior que a de um pedófilo. Gostaria de saber se este meu entendimento tem base jurídica, posto que estou fazendo minha monografia sobre a "Constitucionalidade da Prevenção (Castração) Química no Brasil". Aliás, este é um dos parágrafos da minha monografia. Obrigada e aguardo resposta. Adriana L. Tavares. 25/4/2011.

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