Artigo defende que Lei de Anistia, Lei de Segurança Nacional e Código Penal Militar prejudicam julgamento de violações a direitos humanos.
Leis antigas comprometem o julgamento de crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), diz estudo do juiz federal Roberto Lima Santos e do promotor do Estado de São Paulo Vladimir Brega Filho. Os dois defendem que normas feitas durante a ditadura e válidas até hoje têm prejudicado a condenação de torturadores e agentes da repressão.
O artigo foi publicado na primeira edição da Revista Anistia Política e Justiça de Transição, lançada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Os autores destacam legislações consideradas autoritárias que ainda sobrevivem: a Lei de Segurança Nacional, de 1983; o Código Penal Militar, de 1969, e até mesmo a Lei de Anistia, de 1979. Esta concede perdão a crimes políticos da época, mas também exime de culpa os crimes cometidos pelo Estado, como a tortura.
O recurso à legislação antiga, diz o estudo, foi o que livrou o homem que assumiu a responsabilidade pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog no DOI-Codi, órgão de inteligência e repressão da ditadura. Em 1992, Pedro Antônio Mira Grancieri, conhecido como “capitão Ramiro”, declarou à revista Istoé “ninguém está mais forte e diretamente envolvido na morte de Herzog do que eu”. O caso é um dos mais simbólicos do período. Apesar da confissão, no mesmo ano o inquérito policial aberto contra o capitão Ramiro foi trancado porque a Justiça entendeu que seus crimes tinham o perdão da Lei de Anistia.
“Por aqui [Brasil] não houve responsabilização de violadores de direitos humanos e muito menos foram reformadas as instituições de segurança pública, com o afastamento de criminosos dos órgãos relacionados ao exercício da lei”, dizem os autores.
A chamada “justiça de transição” prevê uma série de ações para que os países que passaram por períodos de repressão restabeleçam plenamente os direitos humanos. Elas incluem o julgamento de responsáveis, a abertura de arquivos do passado e o reconhecimento das vítimas por parte do governo. Para Santos e Filho, o Brasil desenvolveu plenamente apenas a última. “Com efeito, o Estado brasileiro apenas priorizou o pagamento de reparações pecuniárias (indenizações em dinheiro) às vítimas e a seus familiares”, concluem.
Além disso, avaliam os pesquisadores, as leis da ditadura continuam a funcionar a serviço da repressão. Em 2008, a Lei de Segurança Nacional serviu de base para uma denúncia de promotores do interior do Rio Grande do Sul contra oito membros do MST (Movimento Sem Terra). A acusação era sobre “propaganda da luta entre as classes sociais”, ato que é considerado crime pela lei antiga e pode dar pena de um a quatro anos de prisão.
Solução
Comparado a países vizinhos que passaram por regimes de repressão, o Brasil é o que menos avançou nas áreas da Justiça Restaurativa, afirma o estudo. A Argentina hoje julga crimes militares pela justiça comum e não mantém um código penal militar. Além disso, nesse país e também no Chile, foram criados mecanismos para que, mesmo com leis de anistia, o judiciário mantenha processos contra violações aos direitos humanos.
Santos e Filho afirmam que o judiciário brasileiro era muito mais ativo que em outros países. Durante a ditadura, os processos eram um meio de frear a violência da época. “Por outro lado, com a Constituição democrática de 1988, esse ativismo judicial, ao menos no que toca aos assuntos relacionados às graves violações de direitos humanos da ditadura militar, se retrai e o Judiciário passa a ter uma atuação tímida, pouco criativa e, paradoxalmente à sua atuação durante o período autoritário, não vem desempenhando o papel de garantia dos direitos fundamentais que lhe incumbe numa democracia.”
A solução apontada pelos autores é fazer com que a legislação internacional prevaleça sobre a nacional nesses casos. “A aplicação [pouco frequente] da legislação internacional, especialmente os tratados internacionais de direitos humanos, pelos tribunais nacionais, deve ser considerada, talvez, como a principal causa, para se entender a inércia do Estado brasileiro nesse campo”, dizem.
Fonte: PNUD Brasil. Brasília, 21/10/2009
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